Revista M&T - Ed.3 - Nov/Dez 1989
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ENTREVISTA

Eng. Luiz Eduardo M. Cagnoni

Há vinte anos, o jovem Luiz Eduardo M. Cagnoni era um estudante de engenharia do Instituto Mackenzie, não muito definido em que ramo atuar. Fez estágios em metalúrgicas e siderúrgicas, trabalhou com fundição, mas a vocaçao verdadeira não se manifestava A indecisão permanecia e a vida não atravessava a melhor fase, quando, já prestes a se formar, um pessoal da Caterpillar visitou o Campus da universidade, fez algumas palestras e contatos
com recém formados, oferecendo estágio na empresa. Cagnoni não predeu a oportunidade, e logo no início do trabalho suas dúvidas profissionais foram se dissipando.

Finalmente tinha encontrado o que queria e tanto isso é verdade que está até hoje na Caterpillar, sempre trabalhando na área comercial.

M&T- Como a Caterpillar vê o momento econômico brasileiro?
Cagnoni
- Com apreensão. Quando a inflação ch


Há vinte anos, o jovem Luiz Eduardo M. Cagnoni era um estudante de engenharia do Instituto Mackenzie, não muito definido em que ramo atuar. Fez estágios em metalúrgicas e siderúrgicas, trabalhou com fundição, mas a vocaçao verdadeira não se manifestava A indecisão permanecia e a vida não atravessava a melhor fase, quando, já prestes a se formar, um pessoal da Caterpillar visitou o Campus da universidade, fez algumas palestras e contatos
com recém formados, oferecendo estágio na empresa. Cagnoni não predeu a oportunidade, e logo no início do trabalho suas dúvidas profissionais foram se dissipando.

Finalmente tinha encontrado o que queria e tanto isso é verdade que está até hoje na Caterpillar, sempre trabalhando na área comercial.

M&T- Como a Caterpillar vê o momento econômico brasileiro?
Cagnoni
- Com apreensão. Quando a inflação chega aos níveis de 30/35% ao mês o impacto sobre as atividades comerciais éalto e de difícil gerenciamento. A peridiocidade dos aumentos de preço e os prazos de pagamento se tornam críticos e fica difícil se conhecer a real lucratividade de im empreendimento. Hoje estamos vivenciando uma situação onde a pressão de nossos custos está muito alta, o que comprime as nossas margens de comercialização. Este fato é ainda mais agravante em nossas exportações, pois soma-se à defasagem cambial que, não somente comprime ainda mais as nossas margens, como tornam nossos preços menos competitivos no meracdo externo.

A empresa tem acompanhado o desenvolvimento da economia e tentado ficar dentro de uma linha que consideramos seja razoável, tanto para os usuários como para nós. Temos sempre procurado, através do diálogo com nossos revendedores e clientes, a melhor forma de conviver com situação.

M&T- Como está sendo feito o reajuste de preços?
Cagnoni
- Os reajustes continuam mensais também devido à atual legislação do CIP. De uma forma mais abrangente posso dizer que temos certo grau de preocupação com o controle da inflação, com problemas do nosso déficit, tanto do déficit público como do déficit da balança de pagamentos, mas a Caterpillar olha normalmente para as oportunidades a longo prazo. Ela toma as decisões visando o futuro. E, pensando assim, temos um certo otimismo.

M&T - “Betenizar" nao poderia ser uma solução?
Cagnoni
- Já pensamos em "bete- nizar’, mas achamos que não era a melhor solução. É preciso ver os dois lados. Temos que olhar pelo lado do cliente também, como ele veria a “be- tenização". Além disso, a atual legislação do Conselho Interministerial de Preços - CIP, não nos permitiria.

M&T - Você falou em otimismo. Em quanto monta isso?
Cagnoni
- A empresa aprovou um programa de investimentos de 435 milhões de dólares para ser aplicado no Brasil nos próximos quatro a cinco anos. Ela acredita nas potencialidades do Brasil, em seus recursos naturais, nas necessidades de desenvolvimento do país, e também como uma fonte exportadora de produtos e serviços. Como vê nosso programa de investimentos é bastante ambicioso.

M&T - Quando se inicia esse programa?
Cagnoni
-Ele está praticamente sendo iniciado este ano, com a modernização do parque industrial. Tem-se talado muito aqui no Brasil da necessidade de modernizar nossas fábricas para que nossos produtos tenham competitividade no exterior, e a Caterpillar brasileira caminha para concorrer em âmbito mundial, não pela vantagem da mao-de-obra mais barata e sim porque possuímos uma indústria nova, moderna e com capacidade de Produzir a custo bastante competitivo.
Aliás, esse programa de modernização ja existe ha alguns anos nos Estados Unidos e agora estamos trazendo para cá equipamentos mais modernos e sofisticados que permitirão mudar as linhas de montagem, melhorando os produtos com custos mais competitivos.

M&T - É possível comparar o desempenho do funcionário brasileira com o dos outros países mais desenvolvidos? ,
Cagnoni
- A Caterpillar sempre investiu muito em treinamento. Inclusive em períodos de grande ociosidade nós procuramos não demitir, eu me lembro de épocas de crise em que mantivemos uma quantidade considerável de operários em treinamento. Nosso pessoal tem nível bastante bom, más mesmo assim estamos um pouco preocupados com a nova tecnologia que está chegando. Por outro lado, especialistas que tem vindo de fábricas do exterior se surpreendem com a rapidez com que o operário brasileiro assimila coisas novas e rapidamente consegue operar dentro de um novo esquema. Na realidade nós estamos dando mais responsabilidade e autoridade aos operários no que se refere a sua qualidade e produção, e foi uma surpresa agradável ver como eles se adaptaram rapidamente a um processo que mudou sensivelmente.

M&T - É possível ponderar a influência da mão-de-obra na qualidade dos produtos brasileiros e de outros países?
Cagnoni
- Essa comparação não é fácil de ser feita porque as fábricas diferem entre si em função de seu volume de produção, de sua especialização (variados modelos de máquinas ou nao) e da modernização do seus equipamentos.
Entretanto, nós comparamos qualidade dos produtos Caterpillardas diversas fábricas e sabemos que Caterpillar Brasil está com índices bastante bons e que, parte dessa qualidade, é função de nossa mâo-de-obra. Pode-se notar a qualidade da mão-de-obra brasileira principalmente na qualidade da solda, da pintura e nos ajustes finais.

M&T - Quando a motoniveladora 140G será comercializada no Brasil?
Cagnoni
- Ela tem sido produzida exclusivamente para exportação, mas pretendemos oferecê-la também ao mercado nacional no momento em que atingirmos os índices de nacionalização exigidos pelo governo.

M&T - Como é essa história de nacionalização?
Cagnoni
- A Caterpillar já teve uma linha de produtos bastante grande no Brasil até a década de 70. Com a crise, o governo passou a exigir a nacionalização dos produtos em níveis muito altos, nunca menores que 80% ou 85% de conteúdo nacional. Nos Estados Unidos o índice é de 60%. Isso nos prejudicou, principalmente no lançamento de novos produtos. Mas estamos negociando e temos tido algumas aberturas do governo. Por exemplo, temos no Brasil os caminhões 785, fora de estrada na faixa de 120 t com índice de nacionalização baixo, pois tem necessidades específicas junto aos projetos de mineração. Essa abertura talvez possa ser ampliada.

M&T - Quais são os planos de comercialização ou fabricação das linhas de compactação, pavimentação e demais não fabricados no país?
Cagnoni
- A Caterpillar tem grande interesse em oferecer ao usuário o maior leque possivel de equipamentos. Temos pesquisado e estamos justamente procurando alguma coisa nas áreas de pavimentação e de escavadeiras hidráulicas. As barreiras e restrições impostas pelo governo nos restringem um pouco, muitas vezes o equipamento, pela sua sofisticação, inviabiliza atingir 80% de nacionalização para um volume pequeno. Alta tecnologia acaba custando caro no Brasil.

M&T - Quais os equipamentos mais vendidos no país?
Cagnoni
- Se falarmos por classe de máquinas nós diríamos que em primeiro lugar continuam os tratores de esteira, mesmo porque temos uma linha bastante ertensa; seguidos pelas carregadeiras e dentro destes modelos os de maior volume de venda são o trator D-6 e a carregadeira 930.

M&T - Quais são os controles a serem introduzidos pela eletrônica embarcada?
Cagnoni
- Cada vez mais observamos o uso da eletrônica em equipamentos. A Caterpillar já desenvolveu sistema de injeção eletrônica em alguns motores recentemente lançados nos Estados Unidos. A empresa tem na realidade, um grupo especializado, quase que uma empresa integrada, voltada para o desenvolvimento de ferramental de diagnose e quase todas as ferramentas mais novas são eletrônicas, e no futuro estarão incorporadas às máquinas, que terão seu próprio sistema de auto-diagnóstico.

M&T - A eletrônica está tornando os equipamentos mais eficientes e sofisticados?
Cagnoni
- Sem dúvida. As ferramentas hoje possuem dois ou três botões que se apertam e há um microprocessador que faz todos os cálculos e dá a informação impressa. Recentemente me demonstraram o funcionamento de duas ferramentas: uma para medir desgaste de material rodante que tem uma cabeça magnética que ao ser passada na peça, mede a profundidade com leitura direta e tem um processador que informa qual foi o desgaste, quanto resta de vida útil, etc., tudo com um simples apertar de botão. A outra mede vibração e exige um pouco mais de conhecimentos para a interpretação dos gráficos gerados. Na verdade, essas ferramentas estão em estágio de gerar padrões e deverão ser lançadas pela Caterpillar.

M&T- Como funciona o programa de locaçao de manutenção e operação iniciado pela Caterpillar?
Cagnoni
- O programa já opera em vários países. A Caterpillar é líder no seu ramo, e em nosso entender isso ocorre devido à qualidade do produto, ao atendimento ao suporte do produto, e também aos nossos recursos humanos. Nós não nos preocupamos apenas em produzir um bom equipamento de terraplenagern, mas também como mantê-io operando no campo num trabalho desenvolvido com nossos revendedores. Temos clientes especialistas em mineração, na construção de estradas, em tratar do solo, e que não querem se preocupar com a manutenção, deixando isso aos nossos cuidados. Então, temos, já algum tempo, junto com os revendedores desenvolvido sistemas e processos eficientes de manutenção e comercializado-os por meio de contratos que podem variar a qualquer nível, desde reformas gerais, manutenção completa e também com operação, garantia de disponibilidade de equiapamentos; enfim de acordo com a necessidade do cliente e do acerto com o revendedor.

M&T - Quando teríamos esse programa no Brasil?
Cagnoni
- Eles já estão disponíveis através de nossos revendedores. Acho que depende só dos interessados em discutir suas necessisdades conosco.

M&T - Se um cliente, uma mineradora por exemplo, dissesse ok, quando tempo vocês levariam para estudar, preparar e iniciar o processo?
Cagnoni
- Em pouco tempo, 1 ou 2 meses. Depende do nível de desenvolvimentos que ele deseja. O cliente pode escolher o nível de envolvimento que ele deseja. O cliente pode escolher o nível e envolvimento de nossos revendedores que ele deseja, que pode ir desde a simples inspeção periódica até um completo contrato para toda a manutenção do equipamento, que incluiria desde atroca de óleo e filtros até reforma de componentes e mesmo geral. A questão é iniciar a comversação entre o interessado e o revendedor.

M&T - Quais são as dificuldai técnicas para iniciar o programa?
Cagnoni - Falta registros por parte do usuário. Nós precisamos de dados, de informações. Esse tem sido o maior problema. Mesmo quando nós queremos analisar a falha de um equipamento e localizar a causa, notamos que boa parte de nossos usuários não possuem um bom registro histórico de informações para permitir uma conclusão segura.

M&T - O que deve ser registrado?
Cagnoni - De uma forma bastante geral, se deseja que registrem toda e qualquer inten/enção no equipamento, registrando o que foi feito e o número de horas do equipamento. A Caterpillar tem os manuais de manutenção, mas estes fornecem linhas muito genéricas. Como o equipamento vai encontrar uma variedade muito grande de aplicações, de tipo de clima, de terreno, de ritmo de trabalho, de manutenção do cliente, então existe a necessidade de se particularizar o nosso manual de manutenção à condição específica de operação do equipamento. Nós precisamos conhecer tudo sobre a máquina, é preciso ter informações para que possamos adequar a manutenção ao tipo de trabalho executado por aquele equipamento.

M& T - Qual a avaliação da Caterpillar sobre a manutenção de primeiro nível, a intervenção do operador em pequenos reparos?
Cagnoni
- Normalmente não somos envolvidos pelos clientes nestas pequenas interrupções ficando restrita ao próprio cliente. Por outro laac ressaltamos a importância fundamerr tal do operador como “excelente fer ramenta de diagnóstico" pois ele podem facilmente perceber qualquer anormalidade com o equipamento.

M&T - Como adaptar nossos operários a esses saltos tecnológicos?
Cagnoni
- Naturalmente nos preocupamos em como transferir toda esta tecnologia que está sendo colocada nos equipamentos, tornando-os mais produtivos, mais eficientes. Esta tecnologia tem que ser transmitida ao mecânico de campo. Nossa matriz tem coordenado debates com todas subsidiárias sobre qual a melhorforma de, mais rapidamente, levarmos esta tecnologia a todos os cantos do mundo. Estamos, também, questionando todo nosso treinamento técnico que é a principal forma de transferir toda esta tecnologia. Aliás, foiuma das áreas que despendi um pouco de tempo na minha recente viagem aos Estados Unidos. A Caterpillar está passando a usar novas formas e materiais de treinamento, usando disco laser, video, micro, etc.., formas mais dinâmicas de transmitir conhecimento melhor preparando o mecânico.

M&T - Então quanto mais moderno o equipamento, mais treino precisam ter os mecânicos?
Cagnoni - Correto e nós temos muita preocupação com essa tecnologia. Ouve-se falar na eletrônica, o uso de cerâmica como componente do motor, pistões de duplo corpo, enfim uma série de novidades e inovações que preocupam até o momento que se percebe que esta eletrônica tem um controle de auto-diagnose de fácil entendimento, facilidade de se achar onde está o problema, de buscar a falha e ter um componente para trocar e reparar. Então, se de um lado a sofisticação tecnológica preocupa por exigir uma evolução maior do nosso mecânico, por outro, a eletrônica vem junto, traz em alguns casos facilidade de controle dessas funções.
O que assusta as pessoas é a mudança do sistema mecânico, já sob domínio, pelo elétrico-eletrônico, quando temos pessoas que fazem diagnóstico e consertam equipamentos, mesmo desconhecendo seu funcionamento. Operamos alguns caminhões 785 no Vale do Rio Doce que possuem uma caixinha preta que mede a carga e registra as viagens. É um equipamento relativamente simples que se não funcionar, logo se percebe. E para consertá-io não há necessidade de conhecer seu funcionamento, basta trocar a placa. E muito fácil.

M&T- Como sua empresa se comporta quanto à diversificação?
Cagnoni
- A Caterpillar foge de qualquer atividade que não esteja ligada ao seu objetivo principal que é produzir e dar suporte à máquinas, motores e empilhadeiras, para os mercados de construção, mineração, agrícola, florestal e industrial. Mesmo quando expandimos nossa linha de produtos através de ' joint venture" ou criamos uma empresa de financiamento, ou uma “trading”, estamos sempre dentro do que chamamos de nosso “core business”.

M&T - Porque a Caterpillar resolveu entrar no mercado de peças fabricando mangueiras, baterias e outros componentes?
Cagnoni
- Foi basicamente quando nós chegamos à conclusão que não conseguíamos achar no mercado um produto que fosse projetado para aplicações severas e tivesse um nível de vida útil compatível com a vida útil do
nosso equipamento, é que começamos a produzir ou projetar para alguém nos fornecer componentes como mangueiras, baterias, etc. Nós desenvolvemos a tecnologia e hoje estes produtos são usados pela empresa e comercializados com bastante sucesso. Foi, basicamente, por necessidade de melhor desempenho que desenvolvemos estes produtos.

M&T - Como está a expectativa da utilização da esteira de borracha?
Cagnoni
- Por enquanto eia realmente deslanchou somente na máquina agrícola, onde nosso principal projeto foi desenvolvido e está tendo um sucesso muito grande. Mas nós vamos aos poucos introduzí-la nos demais produtos, pois o desempenho no trator agrícola e sua aplicação em alguns equipamentos militares americanos, demonstram a grande perspectiva que se abre com essa inovação.

M&T - Vocês também fizeram alguma experiência com pneus?
Cagnoni
- Exatamente. Nós chegamos a ter um grande especialista den
tro da Corporação, na área de pneus, e este especialista trabalhava muito de perto com os principais fornecedores. Mais uma vez os fornecedores não es- tavam interessados nos investimentos para desenvolver pneus que atendessem às nossas expectativas, então a Companhia começou a investir mais nesta tecnologia.

M&T - Qual sua opinião sobre iniciativas como o “I Seminário sobre Manutenção" promovido pela SOBRATEMA?
Cagnoni
- Estamos acompanhando o desenvolvimento da SOBRATEMA há algum tempo e vendo o esforço bastante útil para as empresas que integram a associação no sentido de divulgar técnicas de aprimoramento da área de manutenção de equipamentos. A Caterpillar está tentando cada vez mais ouvir o usuário, e são entidades como essa, que congregam empresas de atividades variadas que podem nos dar um “in put”, informações para melhor avaliarmos onde devemos mudar e onde devemos concentrar nossos esforços.

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