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Revista M&T - Ed.190 - Maio 2015
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A Era das Máquinas

O desafio do Canal do Panamá

Por Norwil Veloso

Na construção de ferrovias e em grandes obras como os canais de Suez, Kiel e Manchester, as escavadeiras contínuas, com correntes de caçambas, já haviam mostrado ser mais eficientes que as grandes escavadeiras tipo shovel. Mas qual seria o futuro?

Nos anos posteriores a 1885, essas escavadeiras também foram usadas no início da construção do Canal do Panamá, dirigida pelo conde Ferdinand De Lesseps, que também havia sido o arquiteto do Canal de Suez. Mas a execução da obra teria um efeito marcante sobre a evolução das tecnologias de escavação.

O traçado do canal que uniria os oceanos Atlântico e Pacífico previa uma extensão de 81 km no nível dos oceanos, na maior e mais cara obra até então executada. A profundidade era de 9 m, com largura de 22 m no fundo e de 27,5 m na superfície da água. O volume total de escavação foi estimado em 120 milhões de m³.

Em 1876, foi fundada a Societé Internationale du Canal Interocéanique, para execução dos trabalhos. Dois anos depois, essa empresa obteve uma concessão do governo colombiano, que na época controlav


Na construção de ferrovias e em grandes obras como os canais de Suez, Kiel e Manchester, as escavadeiras contínuas, com correntes de caçambas, já haviam mostrado ser mais eficientes que as grandes escavadeiras tipo shovel. Mas qual seria o futuro?

Nos anos posteriores a 1885, essas escavadeiras também foram usadas no início da construção do Canal do Panamá, dirigida pelo conde Ferdinand De Lesseps, que também havia sido o arquiteto do Canal de Suez. Mas a execução da obra teria um efeito marcante sobre a evolução das tecnologias de escavação.

O traçado do canal que uniria os oceanos Atlântico e Pacífico previa uma extensão de 81 km no nível dos oceanos, na maior e mais cara obra até então executada. A profundidade era de 9 m, com largura de 22 m no fundo e de 27,5 m na superfície da água. O volume total de escavação foi estimado em 120 milhões de m³.

Em 1876, foi fundada a Societé Internationale du Canal Interocéanique, para execução dos trabalhos. Dois anos depois, essa empresa obteve uma concessão do governo colombiano, que na época controlava o istmo. Os planos previstos lançaram a França literalmente num frenesi, mas apesar de uma campanha publicitária forte e extravagante, não lograram bons resultados por várias razões.

O canal ao nível do mar proposto por De Lesseps exigia um enorme volume de escavação, em grande parte de rocha, para travessia do maciço rochoso da América. Além disso, havia necessidade de desviar rios, principalmente o Rio Chagres, pois seu simples lançamento no canal traria riscos para a navegação.

Contudo, o maior problema encontrado foi mesmo a elevada taxa de mortalidade, com uma média diária de três mortes para cada mil operários. Num período de quatro anos, 9.800 operários brancos e 22 mil afro-americanos trazidos da Índia faleceram de acidentes, malária, febre amarela, ingestão de água e alimentos contaminados.

ALTERAÇÃO

Após o início das obras, em 1881, constatou-se que as escavadeiras de correntes de caçambas de 70 toneladas, movidas por motores a vapor de 80 hp, apenas raspavam o solo problemático e rochoso. Com isso, a produção de cada máquina era de apenas 300 m³ por dia, o que significava atrasos gigantescos que destruiriam um cuidadoso planejamento.

Como resultado, a empresa ficou no limiar da ruína financeira e De Lesseps, já velho e há tempos sobrecarregado financeiramente, não teve como honrar seus compromissos. Apesar de já terem sido escavados 60 milhões de m³ do traçado (40%), não houve meio de prosseguir as obras conforme planejado e, em 1887, decidiu-se construir um canal com eclusas, com volume escavado menor, que aproveitaria as obras já realizadas.

Mesmo assim, a falência da empresa foi decretada em 1889 e De Lesseps foi processado em 1893, pouco antes de sua morte em 1894. Assim, o caminho estava preparado para uma drástica mudança no projeto da escavação.

Para salvar o investimento, conseguiu-se uma nova concessão da Colômbia para a Compagnie Nouvelle Du Canal de Panama. Fundada em 1894, a empresa iniciou estudos para definir a solução técnica, iniciando as obras nos locais que seriam utilizados em ambas as alternativas. Decidiu-se finalmente por um canal em dois níveis, com eclusas.

A possibilidade de construção de um canal na Nicarágua pelos Estados Unidos levou a um andamento lento das obras, sendo que a concessão acabou por ser vendida ao governo norte-americano em 1902. Em 1904, a recém-constituída República do Panamá concedeu aos Estados Unidos o controle da Zona do Canal. A infraestrutura existente estava totalmente deteriorada e a força de trabalho disponível era reduzida, após 15 anos de abandono. De imediato, foram tomadas providências como melhoria da ferrovia existente e do saneamento em cidades como Panamá e Colón, além da reforma das antigas instalações e contratação de pessoal, o que se mostrou difícil devido à reputação de insalubridade da obra.

RECOMEÇO

Após a decisão pelo canal com eclusas, aprovada pelo Congresso em 1905, a construção recomeçou em 1906. Nessa fase, foram colocadas em serviço mais de 100 escavadeiras Bucyrus a vapor tipo shovel sobre trilhos, conhecidas como “escavadeiras ferroviárias” (railroad shovels), juntamente com 45 mil trabalhadores, para a escavação dos restantes 177 milhões de m³ de material.

O aumento de produtividade foi impressionante. Até agosto de 1907, foram escavados 765 mil m³ por mês, valor dobrado pouco tempo depois. No pico, chegou-se a 2,3 milhões de m³ por mês. Para assegurar o funcionamento contínuo das escavadeiras, foi montada uma oficina de campo com dois mil funcionários.

Até a conclusão da escavação, ocorrida em 1913, as escavadeiras Bucyrus a vapor movimentaram de 150 a 375 m³ de material detonado por hora, utilizando apenas dois operadores e dois foguistas por máquina. O uso desses equipamentos não pôde evitar os imprevisíveis deslizamentos, que aumentaram o volume escavado em incríveis 24,4 milhões de m³ de terra e lama.

O novo projeto também previa a criação de dois lagos, de Gatun e Miraflores. Para criá-los, foram construídas quatro barragens. Na ocasião, a barragem de Gatun era a maior barragem de terra do mundo. Havia eclusas na entrada do lago de Gatun (Atlântico) e no lado do Pacífico, em Pedro Miguel e Miraflores. O volume total de escavação foi de 3,8 milhões de m³, e o de concreto, de 1,5 milhão de m³.

GELEIRA TROPICAL

Devido aos deslizamentos, o terrível Corte de Culebra, junto ao lago de Gatun, cresceu dos 204 m planejados para 547 m, e o deslizamento Cucaracha – considerado o pior de todos e impossível de ser contido por décadas – foi descrito como “uma geleira tropical, com lama no lugar do gelo”. No Culebra, trabalhavam 60 mil homens, que utilizaram 27 t de dinamite para escavar a rocha, que era removida em cerca de 160 trens por dia. Um terço do volume total escavado foi para remoção de material deslizado.

Esse projeto de dimensões extraordinárias trouxe reconhecimento mundial para a tecnologia americana de escavadeiras, cuja influência pode ser percebida claramente durante boa parte do século XX.

Essa tendência pode ser percebida, por exemplo, numa brochura da Menck, editada em 1914, concluindo que “quando se compara a escavadeira tipo shovel com a de corrente de caçambas, observa-se que a primeira tem mais vantagens econômicas em quase todos os tipos de obra. As escavadeiras de corrente de caçambas estão sendo substituídas quase completamente pelas escavadeiras tipo shovel”.

Leia na próxima edição: O advento das tuneladoras

 

 

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