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Revista M&T - Ed.237 - Setembro 2019
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Especial Infraestrutura

O impasse dos resíduos

Após dez anos da implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, as iniciativas de coleta seletiva ainda são incipientes, enquanto os índices de reciclagem permanecem estagnados
Por Melina Fogaça

Desde 2014, aterros só deveriam receber rejeitos sem potencial de reaproveitamento

A produção crescente de resíduos e o modo como são descartados constituem um problema que afeta diversos países do mundo, elevando-se ao topo das preocupações não só de ambientalistas, mas de toda a sociedade. E não é para menos.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), atualmente são produzidos mais de 2 bilhões de toneladas/ano de resíduos no mundo. No Brasil, a questão também é preocupante. Segundo estudo realizado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF), o país é hoje o quarto no mundo que mais produz lixo, atrás apenas dos EUA, China e Índia.


Desde 2014, aterros só deveriam receber rejeitos sem potencial de reaproveitamento

A produção crescente de resíduos e o modo como são descartados constituem um problema que afeta diversos países do mundo, elevando-se ao topo das preocupações não só de ambientalistas, mas de toda a sociedade. E não é para menos.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), atualmente são produzidos mais de 2 bilhões de toneladas/ano de resíduos no mundo. No Brasil, a questão também é preocupante. Segundo estudo realizado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF), o país é hoje o quarto no mundo que mais produz lixo, atrás apenas dos EUA, China e Índia.

A destinação do lixo é uma questão de saúde pública, que fere a Legislação ambiental e atinge a área social

Em 2010, o país aprovou a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) – via Lei Federal no 12.305/2010, justamente para enfrentar a criticidade da situação. Todavia, de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), após nove de anos de sua efetivação o instrumento infelizmente ainda não trouxe grandes avanços na questão.

É o que revela Carlos Silva Filho, presidente da Abrelpe, destacando que, de 2010 para cá, a produção de lixo no país passou de 61,9 milhões de ton/ano para 78,4 milhões de ton/ano, em um aumento expressivo de 28%. Ao mesmo tempo, a coleta dos resíduos gerados manteve-se estagnada na casa dos 90%, o que representa 7 milhões de ton/ano ainda fora do sistema de coleta regular e que acabam abandonados no meio ambiente.

Além disso, mais de 36 milhões de ton/ano de material descartado seguem diretamente para lixões, poluindo o meio ambiente e impactando diretamente a saúde da população. “Do volume de resíduos – secos e úmidos – coletado nas residências, cerca de 60% seguem misturados e são dispostos em aterros sanitários”, diz Silva Filho. “Mas, desde 2014, os aterros só deveriam receber rejeitos, que são resíduos sem nenhum potencial de reaproveitamento.”

DESAFIOS

Um dos principais pontos que dificultam a implementação da Lei no 12.305 é de ordem cultural. Historicamente, a matriz brasileira de disposição de resíduos sólidos sempre foi baseada no afastamento, ou seja, quanto mais distante estiver o lixo, menos a sociedade será incomodada.

Claramente, trata-se de uma visão obsoleta e inadequada à luz dos novos tempos. “O que fazer com o lixo é uma questão de saúde pública, que fere a Legislação ambiental e atinge a área social, que por sua vez replica na área econômica e também gera problemas em outras áreas”, posiciona Marco Antonio Barbieri, diretor adjunto do Departamento de Desenvolvimento Sustentável da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

Segundo o diretor, desativar os lixões também configura um problema estrutural, pois não se pode fazer isso somente determinando-se um prazo legal. Há ainda a necessidade de planejamento com acompanhamento rígido, incluindo na fórmula a liberação de verbas e o financiamento de projetos. “Todos, de forma unânime, entendem que o lixão é um gigantesco problema que recaí sobre os municípios, que têm a responsabilidade constitucional de gerenciar os resíduos sólidos, notadamente os urbanos”, comenta Barbieri.

Após a PNRS, apenas os acordos setoriais de logística reversa tiveram algum avanço

Para ele, é justamente nesse ponto que as discussões emperram, pois os municípios alegam não possuir recursos financeiros. “Se, por um lado, a liberação desses recursos é dificultada, do outro a sociedade clama por ações”, sublinha. “Ou seja, a discussão permanece enquanto não houver uma ação orquestrada e planejada, com horizontes e metas possíveis.”

Esse ponto é deveras intrincado, até por conta do próprio conteúdo da Lei. Como explica Davi Bomtempo, gerente-executivo de meio ambiente e sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o fato de a PNRS não prever a necessidade de sustentabilidade financeira na gestão de resíduos urbanos dificulta a desativação dos lixões. “Sem recursos financeiros garantidos, os municípios não conseguem investir e arcar com os custos da desativação dos lixões”, afirma.

Além disso, Bomtempo avalia que o Brasil está muito atrasado na implementação dos diversos instrumentos previstos pela PNRS. Nesse rol estão o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares) – até hoje não publicado – e o Sistema Nacional de Informações sobre Resíduos Sólidos (Sinir), recentemente lançado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).

LOGÍSTICA REVERSA

O que mais avançou, diz ele, foram os acordos setoriais de logística reversa. Segundo a PNRS, a logística reversa consiste na obrigatoriedade de as empresas reciclarem os produtos descartados em suas operações, além de também se responsabilizem pela sua destinação final. Segundo a Lei, a responsabilidade sobre o ciclo de vida dos produtos cabe a comerciantes, fabricantes, importadores, distribuidores e titulares de serviços de limpeza e manejo dos resíduos sólidos urbanos, mas também dos cidadãos.

Amparados na Lei, já foram implantados sistemas de logística reversa para determinados tipos de produtos, como embalagens de agrotóxicos e seus resíduos, assim como outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua um resíduo perigoso, como é o caso de pneus, pilhas e baterias, produtos eletroeletrônicos e seus componentes, óleos lubrificantes e lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio, de mercúrio e de luz mista. “Dos pontos da Lei, a logística reversa foi a que mais caminhou, especialmente por ser de mais fácil controle sobre os setores que tem a responsabilidade de implementá-la, além de gerar resultados de forma mais rápida”, comenta Barbieri.

Nesse sentido, os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro já avançaram no desenvolvimento de regras específicas para a logística reversa. Entretanto, ainda seguem com os mesmos problemas do nível federal, até com algum acréscimo, em razão da competência legal do órgão fiscalizador ficar restrita ao fabricante local, não atingindo produtos similares produzidos em outros estados do país.

Apesar de ser um dos poucos pontos da Lei que vêm sendo efetivamente aplicado, esse instrumento ainda tem muito a ser trabalhado. Para Barbieri, há vários gargalos na operacionalização que ainda necessitam de resolução, como o envolvimento e fiscalização de todos os responsáveis pela implementação e operacionalização da logística reversa. “Os fatores tributários e creditícios vêm na sequência, em paridade com os custos de frete e desburocratização das licenças e autorizações”, avalia. “Mas a lista de desafios é grande e, assim como os demais instrumentos da PNRS, necessita de uma abordagem mais prática e menos burocrática.”

RESPONSABILIDADE

De acordo com Barbieri, a situação em relação aos resíduos sólidos até vem apresentando alguma evolução no Brasil, porém ainda muito aquém do que se esperava quando a Lei foi promulgada. Apesar disso, ele acrescenta, a Lei apresenta acertos do ponto de vista organizacional, principalmente ao trazer uma estrutura básica direcionada à criação de um banco de dados (Sinir, inventários etc.), que por sua vez serve de subsídio para o planejamento de ações (planos e programas).

“Entretanto, esses dois itens básicos caminharam muito lentamente, ou seja, temos somente um quadro estimativo de geração, classificação e destinação de vários tipos de resíduos sólidos”, destaca. “E, se não temos essa informação básica, o planejamento fica extremamente difícil.”

Outro ponto fundamental que, apesar de citado de forma abundante na Lei, é a questão econômica, tanto do ponto de vista tributário quanto de financiamento, sendo motivo de discussões intermináveis e pouco eficazes entre setores do governo e agentes que necessitam desses instrumentos para a viabilização das operações. “Em razão dessa inércia, o próprio legislativo vem tentando, por meio de uma infinidade de projetos de Lei, fazer alterações na PNRS, buscando assim criar um ambiente de novas discussões e, principalmente, de segurança jurídica nos setores regulados”, diz Barbieri.

Para o diretor presidente da Abrelpe, foram quase 20 anos de discussão no Congresso Nacional para conseguir aprovar a PNRS, que há nove anos segue sem conseguir viabilizar os avanços planejados. “É como se ela não existisse efetivamente, já que ninguém parece querer assumir sua responsabilidade no assunto, incluindo cidadãos, gestores públicos e empresas, que estão obrigadas a fazer a logística reversa”, observa Silva Filho.

RESÍDUOS DA CONSTRUÇÃO TAMBÉM REPRESENTAM DESAFIOS

Para evitar o desperdicio e o descarte incorreto, uma boa parte dos resíduos da construção pode (e deve) ser reciclada. No entanto, a reciclagem neste segmento também vem passando por uma crise nos últimos anos. A Lei no 12.305/2010 define como Resíduos da Construção e Demolição (RCD) todo o entulho gerado em obras de construção, reformas, reparos e demolições, incluídos nesse rol o material resultante da preparação e escavação de terrenos para obras civis. Nesse campo, a PNRS atribui responsabilidades tanto a geradores e transportadores quanto a gestores dos resíduos.

No Brasil, mercado consumidor ainda não assimilou a utilização de agregados reciclados

Todavia, segundo o mais recente Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, publicado pela Abrelpe, os municípios do país coletaram cerca de 45 milhões de toneladas de RCD em 2017, o que configura uma diminuição de 0,1% em relação ao ano anterior. Além disso, apenas 0,6% do total de 290,5 mil toneladas de RCD gerado pelo setor é reaproveitado, segundo dados da Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (Abrecon).

Há uma questão cultural no problema. Para Hewerton Bartoli, presidente da Abrecon, ainda existe certa resistência do consumidor quanto ao uso de agregado reciclado. Até o final de 2019, diz ele, a estimativa é que o agregado reciclado chegue a apenas 5% do total comercializado no país. “Isso mesmo com o valor de venda sendo 10% mais baixo em relação ao agregado in natura”, comenta Bartoli, destacando que o RDC pode ser utilizado para produzir diversos tipos de materiais, como contra-pisos, sub-bases, tijolos, bloquetes, rebocos e artefatos de concreto, dentre outros.

Saiba mais:
Abrecon: abrecon.org.br
Abrelpe: abrelpe.org.br
CNI: www.portaldaindustria.com.br/cni
Estre: www.estre.com.br
Fiesp: www.fiesp.com.br

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