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Revista M&T - Ed.244 - Junho 2020
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Especial Infraestrutura

O futuro do setor elétrico

Sob o impacto da pandemia, setor elétrico sofre com a redução no consumo de energia, mas já se prepara para a retomada com a diversificação de fontes e projetos de expansão

A diversidade natural e a extensão territorial do Brasil são propícias ao investimento em diferentes fontes de energia, necessárias para garantir a oferta de energia elétrica no país. Atualmente, a fonte hidráulica – que reúne grandes e pequenas hidrelétricas – ainda é a principal fonte geradora de energia do país, representando cerca de dois terços da geração total.

O restante da geração é fornecido por fontes de origem eólica, a gás natural, termelétrica e térmica a biomassa. “Com participação ainda menor, completam a matriz as usinas nucleares, térmicas a carvão mineral, solares fotovoltaicas e a óleo combustível”, acresce Rui Altieri, presidente do conselho de administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), completando as alternativas com que o país conta para aumentar seu pote


A diversidade natural e a extensão territorial do Brasil são propícias ao investimento em diferentes fontes de energia, necessárias para garantir a oferta de energia elétrica no país. Atualmente, a fonte hidráulica – que reúne grandes e pequenas hidrelétricas – ainda é a principal fonte geradora de energia do país, representando cerca de dois terços da geração total.

O restante da geração é fornecido por fontes de origem eólica, a gás natural, termelétrica e térmica a biomassa. “Com participação ainda menor, completam a matriz as usinas nucleares, térmicas a carvão mineral, solares fotovoltaicas e a óleo combustível”, acresce Rui Altieri, presidente do conselho de administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), completando as alternativas com que o país conta para aumentar seu potencial energético.

Considerando os dados consolidados pela CCEE em fevereiro, portanto antes das medidas de restrição de circulação adotadas na esteira do combate ao coronavírus, a geração hidráulica foi responsável por 80,8% do total de energia produzido naquele mês.

Segundo a CCEE, em fevereiro a capacidade total instalada no país era de 171,36 GW. Desse total, as hidrelétricas apresentam aproximadamente 115,32 GW de capacidade instalada, o que corresponde a 67,29% de participação na matriz elétrica. Outras fontes, como a eólica, possuem apenas 15,47 GW de capacidade instalada, ou 9,03% de participação na matriz. Suas principais regiões geradoras estão no Nordeste (especialmente BA, CE, RN e PI) e no Rio Grande do Sul.

Em conjunto, a fonte termelétrica soma 22,47 GW de capacidade instalada (13,11% de participação na matriz), ao passo que térmica a biomassa e demais resíduos conta com 13,12 GW de capacidade instalada (7,66% de participação), majoritariamente a partir de usinas a bagaço de cana que atuam no Centro-Sul, com mais força em São Paulo, enquanto a fotovoltaica possui 2,98 GW de capacidade instalada (1,74% de participação na matriz), com forte presença também no Nordeste.

Já a fonte térmica nuclear possui 2,00 GW de capacidade instalada (1,17% de participação), resultante exclusivamente das usinas de Angra I e Angra II, no Rio de Janeiro.

DEMANDA

Atualmente, o Brasil é o 10º maior consumidor mundial de energia elétrica, segundo dados da Agência Internacional de Energia (AIE), com sede na França. Desde 2001, o consumo de eletricidade no país aumentou quase 38%, bem acima da média mundial, que foi de 30% no período. Em 2019, a CCEE registrou um consumo de 64.586,81 MW médios no Brasil. “O volume apresentou crescimento de 2,1% na comparação com os 63.235,77 MW médios de 2018”, explica Altieri.

Altieri (na imagem de cima) ressalta que consumo de energia vinha crescendo, enquanto Mello projeta incertezas no pós-pandemia

Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Brasil consome em média 43,5% de energia renovável, bem superior à média mundial, que está em 14%. Todavia, com os efeitos da pandemia, a carga está em torno de 46.000 MW médios. “A dúvida é como será a retomada do consumo no pós-pandemia”, indaga-se Rodrigo Mello, CEO da Kroma Energia, empresa que fornece soluções para o setor.

A preocupação é latente. De acordo com o ONS (Operador Nacional do Sistema), a demanda de energia no Sistema Interligado Nacional (SIN) caiu 7% na comparação anual desde que as medidas de quarentena foram implementadas para conter o avanço da pandemia. Especificamente, a deterioração de demanda começou no subsistema Sudeste/Centro-Oeste, que abriga os maiores centros urbanos do Brasil, onde ocorreram os primeiros casos da covid-19, mas desde abril já vem ocorrendo de forma generalizada em todo o país.

O CEO da Choice Technologies Holding, Denis Maia, cita um levantamento – feito após o início das medidas de isolamento social – que mostra um recuo de 15% no consumo de energia elétrica no Brasil. Na Itália, que implementou lockdown em âmbito nacional, a queda ultrapassou os 20%.

“Com base nesses dados, somando-se à previsão de aumento em fraudes e furtos de energia, pode-se estimar uma perda de faturamento em torno de R$ 2,2 bilhões para o setor em 2020 e de até R$ 5 bilhões em 2021, levando-se em conta a forte recessão que provavelmente virá”, afirma o especialista, que atua com redução de perdas nas áreas de energia elétrica, água e gás.

RISCOS

Segundo Gabriel Fonseca, analista de energia da XP Investimentos, a queda na demanda é um problema sério para as distribuidoras, pois acarreta a sobrecontratação, um cenário em que a distribuidora possui contratos de compra de energia junto a geradores acima da demanda.

Outro problema, ele adverte, está na queda na arrecadação e no aumento da inadimplência das distribuidoras, por volta de 20% a 25% da receita em média, mas que em alguns casos pode chegar a 35%. “Esse fato foi agravado por uma medida da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), iniciada em 24 de março, em que as distribuidoras de energia foram proibidas por 90 dias de realizar cortes de energia de clientes residenciais e rurais, bem como de prestadores de serviços essenciais”, diz.

A fim de aliviar o problema de arrecadação no setor, sem implicar impactos tarifários futuros, a Aneel publicou uma nota técnica que abrange medidas como o uso de recursos de encargos setoriais e a postergação de alguns repasses a agentes do setor elétrico. Segundo o jornal Valor, o governo também estuda um socorro às distribuidoras, que deve vir por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ou de um ‘pool’ de bancos comerciais, além de iniciativas paralelas como o redirecionamento de fundos setoriais voltados para eficiência energética e P&D.

Maia (esq.) cita perdas no faturamento, mas Castro destaca esforços dos agentes do sistema elétrico nacional

Percebendo a gravidade da situação, em maio o governo sinalizou com um socorro ao setor elétrico via financiamento, com estimativa em torno de R$ 10 a R$ 12 bilhões, evitando reajuste médio de 12% na tarifa. Fonseca, no entanto, avalia que o consumo de energia deve cair 2,9% em 2020, com base nas projeções do PIB, que deve retrair 3,3% neste ano, segundo a pesquisa Focus. “Existem riscos de um consumo de energia ainda menor do que o estimado, tendo em vista a contínua redução do PIB à medida que a crise da covid-19 se aprofunda”, pondera.

Nesse quadro, o Ministério de Minas e Energia (MME) determinou a postergação sem prazo definido de todos os leilões de energia programados para 2020, incluindo os de transmissão. Segundo o MME, os leilões não foram cancelados, pois há confiança na retomada da atividade econômica assim que a situação se normalizar, mas caberá ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) reavaliar a possibilidade de os leilões ocorrerem ainda em 2020.

Em meio a tantas incertezas, o risco de apagão no Brasil tem sido minimizado graças aos esforços realizados pelos agentes do sistema elétrico nacional. “Os estudos da EPE, com projeções tanto da demanda quanto da oferta de energia, possibilitam direcionar ações e medidas a fim de garantir a segurança energética do país”, assegura Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), ligado ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ).

EXPANSÃO

De todo modo, o planejamento energético exige uma abordagem das incertezas que podem influenciar o suprimento de energia no futuro, como ressalta Carla da Costa Lopes Achão, superintendente da Diretoria de Estudos Econômico-Energéticos e Ambientais (DEA), da EPE. “Nesse contexto, um plano de expansão atua como um instrumento fundamental para o setor”, diz.

Influenciado por questões socioeconômicas, mas também pela iminente entrada dos veículos elétricos, o Plano Decenal de Expansão de Energia 2029 (PDE) é um dos documentos que projetam a expansão da capacidade de suprimento de energia elétrica em diferentes cenários de demanda, além de considerar um requisito de reserva operativa associada às variações do consumo.

Elaborado pelo EPE, o documento estima que os investimentos na oferta de geração (centralizada e distribuída) e de transmissão totalizem mais de R$ 450 bilhões. Considerando apenas a oferta de geração centralizada, o PDE 2029 sinaliza para uma capacidade instalada de mais de 220 GW, com predominância de recursos renováveis. “Cabe destacar que o PDE é publicado anualmente, de modo que as perspectivas de crescimento da economia e expansão da oferta de energia são sempre revistas”, diz Achão.

Fonseca alerta para a situação das distribuidoras e Achão vê expansão da matriz como fundamental para o setor

Segundo o PDE, o país pode chegar a 221 GW de capacidade instalada em 2029. Para tanto, ressalta a especialista, é necessário expandir a participação de fontes renováveis, sobretudo eólicas, fotovoltaicas, termelétricas a biomassa, CGHs e PCHS, que juntas podem representar 33% da capacidade instalada no horizonte de referência.

As termelétricas a gás natural também representam outra importante oportunidade de expansão, considerando-se inclusive a disponibilidade de gás nacional via pré-sal. “O documento traz ainda uma análise da expansão dos recursos energéticos distribuídos, incluindo a geração distribuída, que deve atingir 11 GW adicionais até 2029, com destaque para a solar fotovoltaica, o que pode variar dependendo dos ajustes regulatórios atualmente em discussão”, diz a superintendente.

Segundo Altieri, da CCEE, também está previsto o início do fornecimento de seis novas usinas eólicas até 2022. Desse total, dois contratos preveem empreendimentos com entrada em operação em 2021 e quatro no ano seguinte. “Temos ainda a expectativa de início de fornecimento de 48 novas usinas solares fotovoltaicas até 2022”, destaca. “Desse total, 20 contratos preveem empreendimentos com entrada em operação em 2021 e os outros 28, no ano seguinte.”

Segundo dados da Aneel, nos próximos anos devem entrar em operação 668 usinas fotovoltaicas, com 24 GW de capacidade instalada, metade delas entre 2022 e 2023.

DIVERSIFICAÇÃO

Ainda que a matriz elétrica brasileira apresente forte predominância hidrelétrica, a especialista do DEA acredita que o país conta com uma matriz diversificada em comparação a outros países, além de apresentar elevada renovabilidade, com mais de 80% da capacidade instalada provenientes de fontes renováveis. “Esta tendência deve se manter nos próximos dez anos, pois o Plano Decenal de Expansão de Energia 2029 estima que este grau de renovabilidade seguirá praticamente inalterado, com crescente aumento da participação de fontes renováveis como eólica, biomassa e solar”, diz Achão.

A diversificação da matriz também é uma das bandeiras da CCEE, assegura Altieri. Para ele, a diversificação pode ajudar manter o alto índice de geração renovável no país, que já possui uma grande capacidade no segmento. Somando-se hidrelétricas de grande e pequeno porte, eólicas, solares fotovoltaicos e usinas a biomassa, mais de 18 GW devem entrar em operação até 2026.

Segundo Altieri, também existe um debate sobre a substituição de usinas térmicas a óleo – com operação mais cara e menos eficientes – por outras mais baratas e com maior eficiência operacional. “Estamos estudando os benefícios dessa substituição para a matriz e para os preços da energia comercializada no país”, finaliza.

Saiba mais:
CCEE: www.ccee.org.br
Choice: www.choiceholding.com
EPE: www.epe.gov.br
IE/UFRJ: www.ie.ufrj.br
Kroma Energia: www.kromaenergia.com.br
XP Investimentos: www.xpi.com.br

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