Revista M&T - Ed.246 - Agosto 2020
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Manutenção

A volta da corrente contínua

Sistemas de corrente alternada constituem a base de distribuição de energia elétrica no mundo, mas a evolução da tecnologia vem permitindo a ampliação do uso da corrente contínua
Por Augusto Diniz

No final do século XIX, quando se começou a pensar em transmissão de energia elétrica, foram tentadas as opções de geração e transmissão em corrente contínua (CC, defendida por Thomas Edison) e em corrente alternada (CA, desenvolvida por George Westinghouse), criando-se uma concorrência que ficou conhecida na História como a ‘guerra das correntes’. Afinal, essa ‘guerra’ terminou por ser vencida pela corrente alternada, devido principalmente à sua maior eficiência no transporte em distâncias longas.

Como a potência dissipada é igual ao produto da tensão pela corrente – ou ao produto da resistência pelo quadrado da corrente –, é melhor trabalhar com correntes menores em um condutor de resistência conhecida, de modo a evitar perdas excessivas. Em outras palavras, deve-se utilizar sempre a maior tensão (voltagem) para obter-se a menor corrente possível. Assim, a transmiss&atil


No final do século XIX, quando se começou a pensar em transmissão de energia elétrica, foram tentadas as opções de geração e transmissão em corrente contínua (CC, defendida por Thomas Edison) e em corrente alternada (CA, desenvolvida por George Westinghouse), criando-se uma concorrência que ficou conhecida na História como a ‘guerra das correntes’. Afinal, essa ‘guerra’ terminou por ser vencida pela corrente alternada, devido principalmente à sua maior eficiência no transporte em distâncias longas.

Como a potência dissipada é igual ao produto da tensão pela corrente – ou ao produto da resistência pelo quadrado da corrente –, é melhor trabalhar com correntes menores em um condutor de resistência conhecida, de modo a evitar perdas excessivas. Em outras palavras, deve-se utilizar sempre a maior tensão (voltagem) para obter-se a menor corrente possível. Assim, a transmissão normalmente é feita em alta tensão.

ALTA TENSÃO

O sistema de CA também foi escolhido devido à praticidade do uso de transformadores e ao custo inferior dos geradores e motores. No caso da CC, ao contrário, a conversão eficiente para alta tensão não era viável até os anos 60. Por isso, toda a transmissão e distribuição de eletricidade no mundo acabaram sendo feitas em CA.

Atualmente, a evolução da tecnologia permite que os sistemas de CC sejam usados para transmissão de grandes blocos de energia por distâncias longas, ou mesmo para interligar sistemas com frequências diferentes – de 50 e 60 Hz, por exemplo.

No caso da transmissão em CA trifásica são necessários três cabos (ou conjuntos de cabos), enquanto o sistema em CC necessita somente de dois (um para cada polo). Como alternativa, pode-se usar um só polo, com a terra como retorno. Isso se traduz em menos cabos e perdas.

A transmissão em CC propicia ainda maior estabilidade do sistema, permitindo um chaveamento suave. Por outro lado, a opção requer subestações conversoras, normalmente compostas por tiristores de alta potência, uma tecnologia mais onerosa em relação aos sistemas em CA.

Para a escolha do sistema mais conveniente, é necessário avaliar fatores ambientais, econômicos e técnicos. Considerando aspectos ambientais, os sistemas CC são superiores aos sistemas CA. Isso porque as linhas de transmissão em CC produzem campos magnéticos e elétricos estáticos, capazes de induzir correntes em objetos próximos.

Em contrapartida, a tensão e corrente induzidas por acoplamento são efeitos primários nas linhas de transmissão em CA. O fluxo de íons de ar produzidos pelo efeito Corona ocorre somente nas linhas CC, embora seja baixo. Já a rádio interferência e o ruído audível, produzidos por linhas CC, geralmente são maiores com tempo bom, enquanto nas linhas CA esses efeitos são maiores em condições de mau tempo. Os níveis máximos de ruído para as linhas CC em bom tempo, contudo, são menores que os de uma linha CA em mau tempo.

CUSTOS

Com respeito aos aspectos econômicos, é preciso avaliar todo o conjunto de componentes. Para a solução CA, além da linha é preciso considerar os custos dos transformadores elevadores e rebaixadores, dos sistemas de controle, das compensações de carga e reativas e dos disjuntores. Para a alternativa CC, é preciso levar em conta ainda o custo dos conversores, dos sistemas de controle, dos equipamentos CA de entrada e saída e dos filtros.

Para um comparativo de custos, foram considerados os dados do Bipolo 1 da subestação de Nelson River, no Canadá. Os resultados mostram que o comprimento de linha a partir do qual a transmissão em CC é economicamente mais vantajosa situa-se entre 500 e 800 km.

A estação canadense de Nelson River transforma a energia antes de distribui-la aos consumidores

Já para a comparação do desempenho, foi considerado o sistema de transmissão de Itaipu, onde existem 10 geradores em 60 Hz e outros 10 em 50 Hz. Os geradores de 60 Hz estão conectados a três linhas de transmissão de 765 kV em CA, enquanto os de 50 Hz, a linhas do Paraguai; no caso de energia não requerida por esse país, a dois bipolos de transmissão CC de + 600 kV, que ligam Foz do Iguaçu à subestação de Tijuco Preto. A comparação foi baseada na quantidade de faltas ocorridas e na Forced Energy Unavailability (FEU), fator que define o tempo em que uma unidade geradora permanece fora de serviço devido a uma parada forçada.

As conclusões mostram uma superioridade das linhas CC em ambos os critérios. Assim, atualmente a transmissão em CC pode ser uma alternativa vantajosa para linhas com mais de 500 km, devendo ser comparada criteriosamente aos sistemas convencionais de transmissão em CA.

BAIXA TENSÃO

A invenção do transformador, ainda no final de século XIX, tornou possível elevar a tensão na saída da usina, transmiti-la em alta tensão e, depois, rebaixá-la para uso local. Como citado a cima, a conversão de CC para alta tensão não era viável eficientemente até os anos 60.

Assim, o uso de CC implicaria dispor de pequenas usinas geradoras, distribuídas pela cidade e que alimentariam pequenas redes locais. Na época, essa solução não era interessante, uma vez que os motores a vapor de pequena potência (que alimentariam as usinas) eram pouco eficientes, barulhentos e poluidores, com desempenho muito inferior ao obtido com hidroelétricas de maior porte e transmissão por CA.

Mais de cem anos depois, a CA constitui a base de todo o sistema de suprimento e distribuição de energia elétrica no mundo. Comparativamente, a CC está restrita a sistemas elétricos veiculares, centrais de telecomunicação, estações científicas remotas, abrigos de emergência e outros.

Recentemente, abriram-se outras possibilidades para a utilização de CC com a possibilidade de disponibilizar pequenas unidades geradoras, além da utilização de painéis solares fotovoltaicos, que produzem energia em CC e podem ser instalados próximos do local de consumo, também gerando grande economia em linhas de transmissão.

Geração em CC por painéis solares fotovoltaicos só é eficiente se estiverem interligados

Além disso, muitos eletrodomésticos e aparelhos de comunicação (como computadores, LEDs, TV de tela plana, equipamentos de som, fornos de micro-ondas) também utilizam alimentação CC ou motores CC de velocidade variável. Para os próximos 20 anos, está previsto que até 50% das utilidades domésticas utilizarão corrente contínua.

No caso de painéis solares, a energia passa por diversos processos de conversão: inicialmente é produzida em CC e depois convertida em CA utilizando-se um inversor, sendo então transmitida. Em seguida, a CA é novamente convertida em CC pelos adaptadores dos aparelhos domésticos ou de escritório, LEDs ou micro-ondas.

Essas conversões implicam perdas que poderiam ser evitadas se fosse usada uma rede CC; ou seja, nessa situação, a eficiência das células solares seria muito maior e a conta para o usuário muito menor, já que o custo de geração é praticamente zero. Também seriam necessários menos painéis, além de se dispensar inversores, resultando em perdas muito menores, sem falar nos ganhos em sustentabilidade.

Da mesma forma, os aparelhos domésticos não necessitariam de seus conversores internos, tornando-se mais baratos, simples e confiáveis. De modo geral, pode-se admitir uma perda de 15% a 20% nos adaptadores para as aplicações domésticas mais sofisticadas, como televisores e computadores, de 10% a 13% em aplicações mais simples, como ventiladores, aquecedores, fornos de micro-ondas e refrigeradores, e de 10% nos inversores, o que possibilitaria uma economia de 25% usando CC e painéis solares.

O uso de CC é, portanto, mais vantajoso em escritórios, centrais de processamento e outros similares. A geração em CC por painéis solares fotovoltaicos, contudo, só é eficiente se os painéis estiverem interligados, pois assim a rede permitirá a compensação de faltas e excessos de cada unidade.

Sempre será possível armazenar em baterias a energia produzida em CC. Os processos de carga e descarga levam a uma eficiência aproximada de 70% a 80% com baterias de chumbo-ácido, e de 90% usando baterias de íons de lítio.

Se admitirmos uma utilização 50%-50%, dia-noite, obtém-se um ganho de 27% com o uso de baterias de íons de lítio, sem levar em conta o custo das baterias e sua instalação. Devido às baixas tensões utilizadas, a CC não é econômica para acionar dispositivos de maior potência (como lavadora de roupa e forno de micro-ondas).

Nesse caso, a solução seria utilizar um sistema híbrido, com CC para os dispositivos de menor potência e CA para os de maior consumo. Ou mesmo não usar dispositivos de consumo mais alto, como se faz atualmente em barcos, motor homes e trailers.

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