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O desenvolvimento perdido

Novo ciclo de industrialização é indispensável como instrumento de uma política pública de desenvolvimento para o país

Abimaq

25/02/2022 11h00 | Atualizada em 25/02/2022 16h22

Por João Carlos Marchesan*

O Brasil, durante os cinquenta anos que vão dos anos 30 até os anos 80 do século passado, cresceu a taxas chinesas, tanto que passou a ser conhecido como o “país do futuro”. As novas gerações tinham uma razoável certeza de que suas vidas seriam melhores do que a de seus pais e que seus filhos teriam oportunidades melhores do que eles próprios. Havia pleno emprego, o que aumentava a mobilidade social e, apesar de problemas históricos de bolsões de pobreza e analfabetismo, o otimismo prevalecia. Os governantes, via de regra, defendiam um projeto de desenvolvimento e, nesse sentido, conseguiam galvanizar os brasileiros, que tinham muito orgulho de seu país.

Foram os anos em que a industrialização e o crescimento do Brasil andaram de mãos dadas, alimentando um ao outro, permitindo a geração de empregos de melhor qualidade e a formalização crescente do trabalho. Foi este o ambiente que permitiu ao presidente Juscelino Kubitschek prometer avançar 50 anos em cinco, construir Brasília e consolidar a indústria brasileira. No fim deste ciclo, o Brasil tinha se tornado

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Por João Carlos Marchesan*

O Brasil, durante os cinquenta anos que vão dos anos 30 até os anos 80 do século passado, cresceu a taxas chinesas, tanto que passou a ser conhecido como o “país do futuro”. As novas gerações tinham uma razoável certeza de que suas vidas seriam melhores do que a de seus pais e que seus filhos teriam oportunidades melhores do que eles próprios. Havia pleno emprego, o que aumentava a mobilidade social e, apesar de problemas históricos de bolsões de pobreza e analfabetismo, o otimismo prevalecia. Os governantes, via de regra, defendiam um projeto de desenvolvimento e, nesse sentido, conseguiam galvanizar os brasileiros, que tinham muito orgulho de seu país.

Foram os anos em que a industrialização e o crescimento do Brasil andaram de mãos dadas, alimentando um ao outro, permitindo a geração de empregos de melhor qualidade e a formalização crescente do trabalho. Foi este o ambiente que permitiu ao presidente Juscelino Kubitschek prometer avançar 50 anos em cinco, construir Brasília e consolidar a indústria brasileira. No fim deste ciclo, o Brasil tinha se tornado uma potência industrial. Exportávamos crescentemente manufaturados, e nossa indústria de bens de capital fornecia “portainers” a portos americanos, linhas de prensagem às maiores montadoras de Detroit, equipamento bélico aos árabes e até as maiores turbinas hidráulicas do mundo aos chineses.

A partir dos anos 80, crises externas como a do petróleo e a forte subida dos juros americanos, somados a uma inflação interna crescente, causaram mudanças políticas e econômicas no país. No campo político, as mudanças levaram ao fim da ditadura e, na economia, a dívida externa e a inflação substituíram o desenvolvimento como prioridade. A visão estratégica de um projeto de Nação foi trocada pela administração de problemas conjunturais e, a partir dos anos 90, acompanhando o mainstream do pensamento econômico da ocasião, o Estado abandonou progressivamente o papel de coordenador e planejador do crescimento, até extinguir o próprio Ministério do Planejamento, no atual governo.

O neoliberalismo, dominante nos países centrais nos últimos 40 anos, chegou ao Brasil nos anos 90 e contribuiu para a substituição do Estado pelo mercado como indutor do crescimento econômico. Passamos a acreditar que bastaria fazer as reformas, sempre cobradas pelo mercado, para o país automaticamente passar a crescer de forma sustentada. Essa visão, que perdura até hoje, desconhece que na história econômica das nações não há registro de países que tenham ficado ricos espontaneamente, que se tornaram desenvolvidos por obra da natureza ou por mero acaso. Ao contrário, a história mostra que o desenvolvimento é uma construção planejada e buscada, que deve contar com o apoio da sociedade e do Estado.

O êxito, relativamente recente, de países da Ásia Oriental, como Japão, Coreia do Sul, Taiwan e China – destroçados por guerras ou revoluções, mas que conseguiram, em poucas décadas, passar de subdesenvolvidos a países ricos ou de renda média – apenas confirma que o desenvolvimento pode ser alcançado, quando for um objetivo comum à sociedade e ao Estado. O êxito da China, especialmente, ao se transformar no arco de 40 anos de uma economia agrícola atrasada em potência global, passou a ameaçar a hegemonia tecnológica e econômica dos países ocidentais, principalmente dos Estados Unidos, obrigando-os a rever suas estratégias de crescimento e reabilitar o papel do Estado como indutor da economia.

A recente pandemia causada pelo coronavírus também deixou claro que o mercado não é suficiente para enfrentar crises mais sérias e que a excessiva dependência de cadeias de produção globais aumentava significativamente a vulnerabilidade da maioria dos países, levando-os a reavaliar a importância de contar com nível maior de produção doméstica. A conjunção destes fatores levou os países centrais a reverem a opção pelo neoliberalismo, preponderante nas últimas décadas. Mesmo sem abandonar o mercado, nem sempre muito livre, boa parte dos países ricos passou a valorizar o papel do Estado como indutor e coordenador do crescimento econômico, adotando políticas públicas claramente desenvolvimentistas.

A Alemanha, reconhecidamente a mais ortodoxa das economias europeias, ainda em 2019 chocou os liberais ao anunciar sua “Estratégia Industrial Nacional 2030”, uma política industrial intervencionista, com o objetivo explícito de garantir a competitividade de sua indústria, responsável, segundo o documento do governo, pelo bem-estar da sociedade alemã. A eleição do Joe Biden, em 2020, levou os EUA a trilharem o mesmo caminho, adotando um plano de modernização produtiva, para, além de tentar manter sua superioridade tecnológica em relação à China, recuperar uma razoável autossuficiência produtiva e reduzir a dependência de importações. Foram seguidos por muitos povos, como os franceses, com o plano “França 2030”.

Essas mudanças recentes nas políticas econômicas de muitos países desenvolvidos têm algumas características comuns. Todas elas recuperam o papel do Estado como planejador, indutor e coordenador de um modelo de desenvolvimento cujas atribuições tinham sido repassadas ao “livre mercado” nos últimos 40 anos. Enterram, de certo modo, a falsa dicotomia entre Estado e Mercado como agente do crescimento, principalmente ao reconhecerem virtudes e defeitos de ambos, evidenciando a necessidade de ambos os atores trabalharem, sinergicamente, em prol de um projeto de desenvolvimento nacional com foco na prosperidade comum e no bem-estar da sociedade.

Voltando ao Brasil, a partir dos anos 80 do século passado desaprendemos a crescer, esquecendo que o fim último de Estado é o bem-estar de seus cidadãos. Passamos a priorizar o ajuste fiscal e as intermináveis reformas, mantendo, durante 30 anos, uma política macroeconômica hostil ao investimento produtivo, que resultou na desindustrialização do país. Coincidência ou não, a progressiva perda de participação da indústria de transformação no PIB, a partir dos anos 80, convive com quatro décadas em que o Brasil cresceu muito pouco, bem menos do que a média mundial, e muito menos do que seus pares, deixando, na prática, a condição de país emergente para se transformar, simplesmente, em submergente.

De forma um tanto envergonhada, o país aderiu tardiamente ao neoliberalismo, mas também está atrasado nas mudanças macroeconômicas que os países desenvolvidos estão promovendo. Continuamos sem rumo, insistindo nas “reformas” e no ajuste fiscal, esquecendo que tais temas, apesar de importantes, não são absolutamente a prioridade do país. Nas últimas décadas, o Brasil empobreceu em termos relativos. O mais preocupante, contudo, é que vem piorando ainda mais nos últimos anos. A receita econômica utilizada a partir dos anos 80 claramente não funcionou e, portanto, deveríamos estar aprendendo com os erros passados e com os exemplos dos países que estão dando certo, deixando de dobrar a aposta como sugerem o mercado e nosso pensamento econômico dominante.

A sociedade brasileira tem que questionar a falta de rumo do país, voltar a se perguntar sobre que país queremos construir e como podemos garantir um futuro melhor para as novas gerações. Ela deve cobrar de nossos dirigentes um projeto para o país, que recupere o desenvolvimento econômico e cujos benefícios sejam apropriados pela maioria da população. Ou seja, o objetivo deve ser o crescimento sustentado, ao longo do tempo, a taxas iguais ou maiores do que a média mundial, com redistribuição de renda e nivelamento no acesso às oportunidades por parte de todos os brasileiros.

Acreditamos que a geração de empregos, especialmente de qualidade, seja essencial para alcançar tais objetivos. Para tanto, é indispensável recuperar tanto a capacidade de planejamento do Estado, quanto sua capacidade de retomar os investimentos públicos em infraestrutura, inclusive como indutores do investimento privado, além dos investimentos em educação de qualidade e em ciência, tecnologia e inovação. Transparência e governança deverão nortear esses investimentos.

Como já dissemos, a história recente confirma que o desenvolvimento anda de mãos dadas com uma indústria competitiva, diversificada e sofisticada. Portanto, será indispensável promover um novo ciclo de industrialização, como instrumento de uma política pública de desenvolvimento, tendo a economia verde e a digitalização como pano de fundo. Parafraseando Clemenceau, podemos dizer que o desenvolvimento é um assunto demasiado sério para ser deixado exclusivamente aos economistas. Precisamos restabelecer a primazia da política sobre a economia, em lugar do mercado que nos levou à excessiva financeirização da economia, recuperando o bem-estar da sociedade como objetivo último do Estado.

*João Carlos Marchesan é presidente da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas)

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