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Revista M&T - Ed.178 - Abril 2014
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Importação

O idêntico e o similar

Importação de equipamentos pesados no Brasil enfrenta questões sensíveis como protecionismo, desindustrialização, sucateamento e concorrência desleal
Por Thomas Tjabbes

Em fevereiro, a Organização Mundial do Comércio (OMC) classificou o Brasil como o país com o maior número de medidas protecionistas em 2014. A informação foi divulgada durante um encontro em Genebra, na Suíça, para tratar do protecionismo ao redor do mundo. O motivo de ter ficado no topo da lista foi a quantidade expressiva de ações antidumping (que encarecem os produtos importados para incentivar a fabricação nacional) adotadas no país.

E a crítica não é nova. Desde 2012, a OMC já questiona as regras de tributação para importados no Brasil, sendo que países europeus já deram indicações claras de que – se preciso – recorrerão a juízes internacionais. Em declaração oficial, Roberto Azevedo, diretor geral da OMC, diz que desde a crise mundial de 2008 as medidas classificadas como protecionistas vêm aumentando. “O principal problema é que 80% deveriam ser temporárias, mas já perduram há anos”, diz.

Como contraponto, a Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) explica que as medidas classificadas como protecionistas por parte da OMC nada mai


Em fevereiro, a Organização Mundial do Comércio (OMC) classificou o Brasil como o país com o maior número de medidas protecionistas em 2014. A informação foi divulgada durante um encontro em Genebra, na Suíça, para tratar do protecionismo ao redor do mundo. O motivo de ter ficado no topo da lista foi a quantidade expressiva de ações antidumping (que encarecem os produtos importados para incentivar a fabricação nacional) adotadas no país.

E a crítica não é nova. Desde 2012, a OMC já questiona as regras de tributação para importados no Brasil, sendo que países europeus já deram indicações claras de que – se preciso – recorrerão a juízes internacionais. Em declaração oficial, Roberto Azevedo, diretor geral da OMC, diz que desde a crise mundial de 2008 as medidas classificadas como protecionistas vêm aumentando. “O principal problema é que 80% deveriam ser temporárias, mas já perduram há anos”, diz.

Como contraponto, a Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) explica que as medidas classificadas como protecionistas por parte da OMC nada mais são do que uma defesa contra o lobby de empresas internacionais que buscam maior acesso ao mercado brasileiro. “Estamos com um déficit crescente na balança comercial e, se quisermos saná-lo, precisamos incentivar a nossa indústria, que é um pilar essencial para o desenvolvimento do país”, afirma João Alfredo Delgado, diretor de tecnologia da Abimaq e presidente do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Máquinas e Equipamentos (IPDMAQ).

ALÍQUOTAS

Aos importadores, as barreiras tarifárias são compostas por alíquotas de importação, atualmente estipuladas pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Quando não há similar com produção nacional, o importador é beneficiado pelo ex-tarifário, que – no momento – reduz a alíquota de importação de 14% para 2%. Durante dois anos, o importador pode trazer a quantidade de equipamentos que desejar, desde que dentro da especificação indicada. Após esse período, a alíquota volta ao normal. “Em outros países membros do Mercosul essa alíquota é nula”, compara Fábio Leonardi Bezerra, despachante e advogado aduaneiro da Plus Brasil. “E nos EUA, ela equivale a apenas 3%.”

Somada a isso, a alíquota de IPI, geralmente entre 5% e 10%, pode ser reduzida ou mesmo isentada pelo governo federal de forma seletiva, na medida em que o país busque estimular o consumo de determinado produto desenvolvido internamente. Também é comum a isenção para produtos, sejam nacionais ou estrangeiros, considerados essenciais ao desenvolvimento do país. Nesse caso, há uma lista publicada na Tabela de Incidência do IPI (TIPI), apresentada pela Receita Federal.

Mas não para por aí. Além das alíquotas de importação e do IPI, o importador também deve arcar com taxas direcionadas ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que são contribuições sociais demandadas pelo governo federal.

Na avaliação de Walter Thomaz Júnior, despachante e consultor aduaneiro da Portorium, o pagamento desses impostos pode levar o importador a desembolsar em taxas até 50% sobre o valor total do equipamento. “Mas o prejuízo pode ser maior”, diz ele, lembrando que a Abimaq está sugerindo ao governo aumentar o teto da taxa de importação para 35%, o valor máximo permitido pela OMC. “Se isso acontecer, o importador poderá enfrentar impostos que somam mais de 70% do valor do equipamento”, explica ele.

DESINDUSTRIALIZAÇÃO

Outra frente em favor da indústria nacional é o projeto de lei 5628/13, atualmente em trâmite no Senado. A proposta busca isentar a taxa de IPI para equipamentos agrícolas direcionados a empreendimentos familiares rurais, englobando também os importadores oriundos dos países membros do Mercosul.

O diretor de tecnologia da Abimaq argumenta que essas medidas são necessárias para proteger a indústria local contra a importação predatória, principalmente de equipamentos chineses e usados que chegam ao país com preços muito abaixo dos modelos aqui produzidos. “A verdade é que a falta de controle com laudo técnico e a facilidade na importação de equipamentos estão trazendo muita sucata ao país, com características de segurança e tecnologias ultrapassadas”, afirma o especialista.

De quebra, diz ele, tal contexto aumenta os riscos de desindustrialização, com uma participação cada vez menor da indústria nacional na arrecadação do Produto Interno Bruto (PIB). Há dez anos, a indústria brasileira representava mais de 19% do PIB. No ano passado, representou apenas 13%, o menor índice registrado desde 1955 – segundo o Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

E as coisas podem se complicar ainda mais, pois se o cenário continuar o mesmo a indústria brasileira pode regredir a uma participação de apenas 9,3% do PIB em 2029. Para a Fiesp, isso representaria um retorno irreversível à condição de exportador primário. Em países como a Alemanha, para ficarmos em um exemplo apenas, a indústria local tem mais de 28% de participação no PIB nacional.

CONSULTA PÚBLICA

Entre importadores e fabricantes locais, sempre foram recorrentes as reclamações sobre os critérios utilizados para avaliar se o produto em questão tinha ou não similaridade nacional. Por isso, em setembro de 2012, o processo mudou e todo equipamento (novo ou usado) que entra no país é agora submetido a consulta pública, disponibilizada na internet pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão do MDIC.

Essa ferramenta permite aos fabricantes nacionais verificar e informar a existência de similaridade de um produto importado com outro de fabricação nacional. Antes dessa mudança, para saber se havia similar nacional o MDIC consultava a Abimaq e outras associações no país. Segundo o MDIC, como nem todas as companhias do país são associadas às entidades do setor, esse processo acabava mostrando-se falho, permitindo a concessão de redução de impostos a produtos importados mesmo quando existiam similares nacionais.

Para Bezerra, da Plus Brasil, o novo processo é mais democrático, porém igualmente mais subjetivo e demorado. Ele explica que as fabricantes que apontam a similaridade podem utilizar dois recursos que favorecem a produção nacional. O primeiro é a concepção de “equipamento substitutivo”, ou seja, um tipo de equipamento que cumpre as mesmas funções. “Esse tipo de avaliação é subjetiva, pois não considera a qualidade do produto e, tampouco, a produtividade que ele oferece”, diz ele. O segundo recurso é quando o fabricante nacional demonstra planos concretos de iniciar a produção daquele tipo de equipamento no país.

A demora em obter uma resposta também está na lista de barreiras, pois a contestação do produto importado pode demorar mais de 30 dias para ser analisada, segundo Bezerra. Enquanto isso, o equipamento importado fica barrado.

Para aumentar a complexidade do assunto, Delgado, da Abimaq, pondera que ainda falta conhecimento ao governo sobre as fabricantes atuantes no país, sugerindo a disponibilização de um corpo técnico de melhor nível para avaliar as importações. Para ele, também há avaliações que desfavorecem a indústria nacional: “O governo quer máquinas idênticas para aceitar a contestação de similaridade”, explica. “Mas, muitas vezes, a indústria nacional tem equipamentos melhores, o que justifica totalmente o enquadramento como substitutivo.”

CANAL VERDE

Assim como nas importações definitivas, trazer um equipamento em admissão temporária também passa pelo crivo da consulta pública. De acordo com Thomaz, da Portorium, a diferença está no pagamento do ex-tarifário, cobrado de forma proporcional ao tempo de permanência do equipamento no país.

Para Delgado, inicialmente a admissão temporária foi criada para atender às construtoras e outras prestadoras de serviços que necessitavam de uma frota transitória em grandes obras e eventos. Atualmente, porém, esse recurso estaria sendo utilizado de maneira distorcida, como forma de “pagar menos” pelo equipamento. “E a prova disso é que os níveis de importação por admissão temporária estão altíssimos”, diz o diretor da Abimaq.

Segundo ele, isso também estimula o sucateamento do parque de máquinas no Brasil, sendo que os guindastes seriam um dos principais afetados, pois 90% deles chegam ao país em regime de admissão temporária, como informa a Abimaq. “Os guindastes chegam usados, com tecnologia e níveis de segurança ultrapassados e, após cinco anos, são completamente descartados como sucata”, opina Delgado.

Bezerra concorda que há pouco controle sobre a qualidade dos equipamentos usados que entram no país. Isso ocorre, diz ele, porque é a Receita Federal quem faz a fiscalização na importação de bens usados, regulada pelo Departamento de Operações de Comércio Exterior (Decex). Nesse processo, o especialista afirma que atualmente é realizada apenas uma verificação física dos equipamentos, sem a elaboração de um laudo técnico criterioso que especifique as condições, valores e outras informações necessárias, como ocorria há alguns anos. “Por conta disso, há importação de equipamentos quebrados, avariados ou basicamente sucata, o que atinge a indústria nacional e também o importador idôneo”, avalia.

Outro ponto fraco avaliado pelo despachante está na facilidade em renovar a permanência do equipamento, atualmente limitada a cinco anos. Para tanto, a máquina não precisa sair e retornar ao país, como as pessoas físicas fazem quando o prazo de permanência do passaporte está se esgotando. Agora, pode-se transferir a titularidade do bem ou mesmo passar para outro regime aduaneiro, colocando-o em um entreposto aduaneiro (considerado território neutro) ou zona franca. Em seguida, basta retirá-lo com um novo pedido de admissão temporária. “Cerca de 80% dos bens importados são liberados automaticamente, em um processo apelidado como ‘canal verde’”, explica Bezerra.

EMPECILHOS

Nos portos, a chamada “Guerra Fiscal” (nada mais do que a disputa de vantagens fiscais para atrair importadores) é outro motivo de queixa para os especialistas em importação de equipamentos. Antes de relatar as avaliações, entretanto, vale explicar essa prática com um exemplo: uma empresa sediada em São Paulo importa uma máquina para equipar a fábrica, mas prefere trazê-la via Porto de Vitória (ES), onde o valor cobrado de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é menor do que o cobrado pelo Porto de Santos (SP), por exemplo. Assim, o equipamento chega ao porto de um estado que não se beneficiará com aquela transação. Por conta disso, o estado que está recebendo a máquina pode multar a empresa, o que torna a prática de alto risco e passível de multas.

Segundo Thomaz, essa prática de concorrência desleal dos portos está sendo combatida pelo governo federal, que em janeiro de 2013 colocou em vigor a resolução de número 13 do Senado, estipulando cobrança igualitária de 4% de ICMS em todos os portos. Antes, os valores variavam de 7% a 12%.

Mas isso não resolve todos os problemas alfandegários na importação de equipamentos. Segundo Bezerra, o alto custo de estocagem – pago pelos atrasos nas perícias dos importados – é outro calcanhar de Aquiles na atividade. Como exemplo, basta citar a armazenagem de um contêiner de 20 pés nos portos, que custa dois mil reais por um período médio de 10 a 15 dias de estocagem. Já para os contêineres “open top” e com excesso, ou seja, para equipamentos grandes e volumosos, esse valor chega a ser dez vezes maior.

Para tentar reverter esse problema, o despachante menciona um recurso conhecido como “Entrega Antecipada”. Com ela, o equipamento pode ir direto à fábrica ou canteiro de obras, a partir de onde será feita a perícia. “É uma medida cada vez mais comum e está funcionando para agilizar os processos”, diz Bezerra. No entanto, ele adverte os importadores para a falta de qualificação do setor e as greves constantes. “Por uma questão de cultura, as greves dos auditores fiscais acontece sempre em agosto”, ressalta. “Mas neste ano, por conta da Copa do Mundo, ela deve ser antecipada.”

 

 

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