Revista M&T - Ed.150 - Setembro 2011
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Fundações

Tecnologias que suportam as grandes obras

Diante das técnicas e equipamentos disponíveis para obras de fundações, especialistas alertam para a necessidade de uma análise de confiabilidade, para definir os riscos decorrentes da grande variabilidade dos solos

O mercado de grandes construções no Brasil tem exigido cada vez mais o desenvolvimento e adaptação de técnicas de sondagem, fundações e contenções, a fim de garantir maior confiança e rapidez às obras, visto que tais empreendimentos demandam escavações cada vez mais profundas, muitas vezes em terrenos instáveis e complexos. Para atender a essa necessidade, novas soluções de geotecnia têm se popularizado no país.

A execução de contenções em grandes escavações, principalmente quando estas se localizam em áreas confinadas, é um serviço bastante comum, muitas vezes envolvendo a movimentação de solos muito heterogêneos, cujas propriedades variam drasticamente de um ponto para outro da obra. A argila, por exemplo, pode perder suas características coesivas quando saturada com a água de chuva, o que pode causar desmoronamentos e colocar em risco a obra e a segurança dos trabalhadores.

As técnicas de utilização de estacas para sustentação e estabilidade dos solos não são uma novidade no setor, mas têm apresentado evoluções ao longo dos anos. Devido à complexidade das obras,


O mercado de grandes construções no Brasil tem exigido cada vez mais o desenvolvimento e adaptação de técnicas de sondagem, fundações e contenções, a fim de garantir maior confiança e rapidez às obras, visto que tais empreendimentos demandam escavações cada vez mais profundas, muitas vezes em terrenos instáveis e complexos. Para atender a essa necessidade, novas soluções de geotecnia têm se popularizado no país.

A execução de contenções em grandes escavações, principalmente quando estas se localizam em áreas confinadas, é um serviço bastante comum, muitas vezes envolvendo a movimentação de solos muito heterogêneos, cujas propriedades variam drasticamente de um ponto para outro da obra. A argila, por exemplo, pode perder suas características coesivas quando saturada com a água de chuva, o que pode causar desmoronamentos e colocar em risco a obra e a segurança dos trabalhadores.

As técnicas de utilização de estacas para sustentação e estabilidade dos solos não são uma novidade no setor, mas têm apresentado evoluções ao longo dos anos. Devido à complexidade das obras, já existe o recurso de contenções periféricas de terrenos em estacas secantes, tangentes ou afastadas entre si, dependendo do tipo de solo e estrutura.

Especialistas apontam a importância de se atentar para alguns cuidados com as estacas cravadas. Na extremidade inferior, por exemplo, elas recebem uma ponteira de aço para a proteção e a maior facilidade de penetração no solo. Na parte superior, por sua vez, a fixação de um anel de aço provisório evita o esfacelamento da estaca pré-moldada diante das pancadas para cravação. No caso de terrenos muito resistentes, é preciso fazer a execução de pré-furos com perfuratrizes para a implantação dos perfis metálicos ou estacas pré-moldadas, técnica geralmente associada ao sistema hélice contínua.

Estacas escavadas

De acordo com William Roberto Antunes, diretor da Fundesp, especializada em obras de fundações, quando o serviço envolve a execução de estacas escavadas com o uso de lama estabilizante, os equipamentos de perfuração contam com haste telescópica dotada de travamento mecânico. Tal recurso transfere maior torque para a ferramenta de escavação.

“Quando é necessário realizar o serviço em rocha sã, os equipamentos são do tipo offshore, ou seja, a ferramenta de escavação, embutida em camisa metálica, é uma broca com ‘roller bit’ que promove a perfuração, enquanto a limpeza do material escavado é feita por circulação reversa”, ele salienta.

Para suportar grandes cargas e estruturas maiores, as estacas escavadas de grande diâmetro (de 0,80 m a 2,50 m) figuram entre as soluções mais difundidas, geralmente com o uso de lama estabilizante (bentonita ou polímero) em solo ou em rocha, que podem atingir profundidades de até 90 metros. Já nas contenções, principalmente em obras urbanas confinadas – como a execução de subsolos para prédios, por exemplo – a parede diafragma está consolidada entre as técnicas mais usuais.

Principais tecnologias

Apesar de os especialistas apontarem poucas novidades em termos de tecnologia, nota-se um aproveitamento máximo das soluções disponíveis, incluindo possíveis adaptações dos equipamentos para necessidades específicas. A maior parte dos equipamentos, nesse caso, é de origem europeia ou asiática.

A parede diafragma, por exemplo, é uma solução bastante difundida em obras civis. No processo de escavação, é necessária a execução da mureta guia de concreto, para o alinhamento dos painéis, e mesmo atingindo grandes profundidades, sua execução é limitada apenas para escavações em solo. O processo executivo muitas vezes envolve o uso da tradicional trepanação, sistema que apresenta muitas limitações e dificuldades, resultando em baixa produção na obra.

A hidrofresa, por sua vez, surgiu como uma alternativa à parede diafragma e vem se mostrando eficiente em determinados tipos de terrenos rochosos. O equipamento utilizado é versátil e permite a escavação de painéis em profundidades de até 120 m, inclusive em rochas com resistência acima de 100 MPa.

Seu sistema de perfuração é composto por uma pesada estrutura metálica, na qual são montados dois tambores com bits especiais em seu entorno, que é a ferramenta conhecida como hidrofresa. “Atualmente é possível aplicar essa técnica para escavação em rocha, mas a parede diafragma convencional só pode ser executada em solo”, adverte Armando Caputo, superintendente e diretor técnico da Brasfond, especializada em obras de fundações.

Nas fundações para obras portuárias, por sua vez, a tecnologia Wirth tem se mostrado eficiente para a escavação de rochas em diâmetros na faixa de 2,5 m e a grandes profundidades, de até 100 metros. Atualmente, estacas com diâmetros ou seções lamelares maiores podem ser executadas por equipamentos de grande torque, que conseguem perfurar rochas brandas.

O rol de tecnologias disponíveis inclui ainda o sistema hélice contínua, uma estaca de concreto moldado in loco, cuja execução envolve um trado contínuo que injeta o material por sua haste central, simultaneamente à retirada do solo escavado. A tecnologia hélice de deslocamento, mais recente, é similar à hélice contínua. A diferença é que ela não promove a retirada do material escavado, que é comprimido contra o terreno, motivo pelo qual encontra larga aplicação nas fundações em terrenos contaminados.

Sob lâmina d’água

Nas grandes obras portuárias, quando as fundações se destinam a estruturas que deverão suportar cargas elevadas, o estaqueamento com martelos hidráulicos revela-se uma técnica muito usual, com a mobilização dos equipamentos sobre flutuantes.

As dificuldades que envolvem a sondagem sob lâmina d’água são muitas, contudo têm sido superadas com as tecnologias disponibilizadas para as construtoras. Fenômenos como as marés, a ação dos ventos, das ondas e correntes marítimas, devem ser considerados no correto posicionamento da máquina e na locação do ponto de escavação, assim como o efeito corrosivo da água, a topografia e profundidade do fundo do mar.

As tecnologias disponíveis permitem usar grandes estacas escavadas, que chegam a até 2,50 m de diâmetro e quase de 100 m de comprimento, uma novidade à disposição da engenharia nacional. Na avaliação de William Antunes, da Fundesp, as dificuldades começam a partir do içamento e cravação das camisas metálicas. “No caso das estacas para a ponte sobre o rio Negro, os equipamentos trabalharam no seu limite de operação e tivemos que reinventar procedimentos e reestudar as ferramentas de perfurações para realizar a obra”, diz ele.

Para atender às exigências da fundação, ele explica que foi necessária a fabricação de hastes telescópicas de 100 m. “Estacas escavadas de 2,5 m de diâmetro, parcialmente encamisadas com camisa metálica perdida e com o auxílio de lama estabilizante, foram executadas a profundidades de até 92 m”. Obras desse porte costumam mobilizar guindastes com capacidade acima de 250 ton, sobre flutuantes, muitas vezes com o auxílio de mergulhadores para o posicionamento dos tirantes e dos blocos de ancoragem em concreto pré-moldado.

Nesses guindastes são posicionados martelos especiais para a cravação das estacas, que precisam receber tratamento especial para resistir à corrosão. Além disso, todo o transporte de materiais precisa ser realizado por balsa, o que exige um planejamento cuidadoso. “Trata-se de uma logística complexa, pois na obra da ponte sobre o rio Negro, por exemplo, movimentamos armaduras de 30 t e programamos concretagens com mais de 10 horas de duração, com o consumo de 400 m³, o equivalente a 57 caminhões betoneira”, completa Antunes.

Os tipos de estacas usadas variam conforme a necessidade da obra, mas entre as mais difundidas estão a estaca-prancha, a estaca-tubo e hélice continua. “No caso particular das estacas moldadas in loco, há a necessidade de recursos adicionais devido à lâmina d’água, como a instalação de tubos normalmente de aço para que os equipamentos de perfuração sejam conduzidos pelo seu interior, garantindo uma concretagem adequada”, lembra Celso Orlando, vice-presidente da Associação Brasileira de Mecânica de Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS).

Diversidade de soluções

Uma obra que ilustra a diversidade de soluções para as fundações em cada ponto de um mesmo empreendimento é a implantação do Estaleiro Atlântico Sul, no Complexo Portuário de Suape (PE). O projeto exigiu a utilização de uma tecnologia bastante difundida no Brasil – as paredes diafragma em forma de “T” – combinada com estacas escavadas de grande diâmetro e cavaletes de estacas-raiz para a contenção no cais.

No total, a obra consumiu mais de 5 mil estacas escavadas, que substituíram o projeto inicial no qual se contemplava estaca prancha. Entretanto, devido a características do terreno, com um perfil geológico irregular, alternando a presença de material arenoso, silte arenoso, areia siltosa, areia compacta, argila mole cinza e arenito, essa solução não seria viável diante do prazo e do custo estabelecidos para o empreendimento. “A sondagem indicou um terreno bastante errático, com a presença de camadas muito resistentes próximas à superfície”, aponta Armando Caputo, da Brasfond.

Segundo Caputo, a implantação do estaleiro enfrentou vários desafios sob o ponto de vista geotécnico, tais como a escavação de uma camada de arenito superior, a presença de camada profundas de argila mole e a necessidade de aprofundamento das paredes do cais. “Além disso, nos prédios industriais, que demandariam cargas menores, optou-se pelo uso de estacas hélices contínuas.”

O executivo explica que o terreno apresentava lençol freático em nível muito alto, apenas 2 m abaixo do nível da superfície, que precisou ser rebaixado para a construção de um dique seco de 14 m de profundidade. “Sem isso não seria possível atingir o nível de escavação e executar as estrutura, lajes e demais unidades enterradas”, completa Caputo.

Controle do concreto

Assim como os processos e equipamentos utilizados determinam a qualidade da obra, o controle dos materiais empregados também é um capítulo importante. Nessa área, a qualidade do concreto ocupa um papel de destaque, sendo definida como uma relação que combine o melhor custo com a durabilidade e segurança estrutural previstas em projeto e a sustentabilidade na sua execução. “O controle tecnológico do concreto é definido em função da vida útil da obra”, afirma Antonio Figueiredo, professor do Departamento de Engenharia e Construção da Escola Politécnica da USP.

O professor acrescenta que a relação água/cimento é que define a porosidade do concreto e, quanto maior for sua porosidade, menor será a resistência. Além disso, a resistência e durabilidade dependem da dosagem dos materiais que o constituem, em outras palavras, o traço. “Peças volumosas e com grande consumo de cimento geram grandes riscos, por isso especificar um consumo mínimo de cimento é um mito; o mais usual é especificar a resistência e, a partir daí, buscamos as soluções tecnológicas.”

Figueiredo aponta ainda que a especificação do concreto também precisa se pautar na sustentabilidade, evitando emissões do CO2. Além disso, é de fundamental importância um estudo criterioso sobre riscos e segurança. A frequência de episódios envolvendo o colapso de edifícios acabados e de estruturas ainda em construção aponta que é preciso levar mais sério o controle tecnológico das estruturas de concreto.

Nessa área, a norma NBR 6122, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), fixa as condições a serem observadas no projeto de fundações de todas as estruturas da engenharia civil, reconhecendo riscos inerentes a toda atividade que envolva fenômenos ou materiais da natureza. Os critérios e procedimentos da norma procuram traduzir o equilíbrio entre condicionantes técnicos, econômicos e de segurança usualmente aceitos.

Análise de confiabilidade

Para o professor Figueiredo, a qualidade do concreto nasce com sua correta especificação em projeto. Para a garantia do bom desempenho, é fundamental que as especificações sejam claras e parametrizem o material de modo a possibilitar um eficaz controle da qualidade do material, bem como da execução.

A norma NBR 6122 considera ainda aspectos como a utilização de agregados reativos, a presença de álcalis no cimento e de unidade. De acordo com Figueiredo, no momento de especificar o concreto para as obras de infraestrutura e fundação é preciso levar em conta as classes de agressividade ambiental. “Em ambiente úmido, o grau de agressividade é sempre maior”, ele pondera.

Na opinião do presidente do núcleo de São Paulo da ABMS, Marcos Massao Futai, é importante que, em algum momento, se incorpore a análise de confiabilidade ou probabilidade de falha para definir os riscos das obras geotécnicas, já que o solo costuma apresentar grande variabilidade. “Os engenheiros geotécnicos atuam em praticamente todas as obras de construção civil e infraestrutura, mas as fundações e contenções não ficam aparentes e não se destacam arquitetonicamente como a superestrutura. As pessoas podem não vê-las, mas elas contribuem com um bom percentual do consumo de concreto.”

Para Celso Orlando, vice-presidente do núcleo de São Paulo da ABMS, “as difíceis condições de concretagem das modernas estacas moldadas in loco, dimensionadas para grandes capacidades de carga, exigem a normatização de procedimentos adequados no projeto e no controle de execução, de modo a garantir a qualidade do concreto e o bom desempenho das fundações”.

 

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