Revista M&T - Ed.264 - Junho 2022
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COMBUSTÍVEIS

A transição para a descarbonização

Zerar as emissões de poluentes tornou-se prioridade para o setor, que já conta com avanços regulatórios, parcerias estratégicas e alternativas tecnológicas para vencer o desafio
Por Marcelo Januário (Editor)

Responsável por parte expressiva das emissões de CO2, o setor de máquinas vem sendo transformado pela atenção crescente às mudanças climáticas, atrelado à implantação de metas por parte de empresas e governos para zerar as emissões – o que se traduz em uma revolução em direção à descarbonização.

Segundo Erwin Franieck, diretor-presidente do Instituto SAE4Mobility, o crescimento das emissões de CO2eq – relacionadas à energia de origem fóssil – acompanha o crescimento da população mundial desde 1850. “O crescimento da população global sempre esteve ligado ao uso intensivo de energia”, observa. “Com o mundo ultrapassando 7,7 bilhões de habitantes, o consumo médio per capita também aumentou.”

Juntos, os países desenvolvidos já emitem 19,5 tons/ano de CO2eq – quase


Responsável por parte expressiva das emissões de CO2, o setor de máquinas vem sendo transformado pela atenção crescente às mudanças climáticas, atrelado à implantação de metas por parte de empresas e governos para zerar as emissões – o que se traduz em uma revolução em direção à descarbonização.

Segundo Erwin Franieck, diretor-presidente do Instituto SAE4Mobility, o crescimento das emissões de CO2eq – relacionadas à energia de origem fóssil – acompanha o crescimento da população mundial desde 1850. “O crescimento da população global sempre esteve ligado ao uso intensivo de energia”, observa. “Com o mundo ultrapassando 7,7 bilhões de habitantes, o consumo médio per capita também aumentou.”

Juntos, os países desenvolvidos já emitem 19,5 tons/ano de CO2eq – quase cinco vezes a média global, de 4,4 tons –, enquanto o Brasil segue estável, abaixo da média da América Latina (2 tons/ano). “Usar fontes renováveis de energia foi uma decisão favorável em relação ao pacote global, possibilitando que o Brasil assuma em breve a liderança entre os países menos emissores do mundo”, diz Franieck. “Mas o mundo inteiro é um barco só, não tem Plano B.”

PROCESSOS

Sem Plano B, um dos pontos para reduzir as emissões são os combustíveis, que vêm ganhando novas plataformas para suplantar o predomínio de fontes de origem fóssil. E o processo regulatório tem papel crucial nisso. Desde 1992, o Brasil adota um programa de controle ambiental de veículos, em um processo que evolui por fases. Atualmente, o programa está na 7ª fase para pesados, já migrando para o P8 (mesmo nível do Euro 6).

O segmento fora de estrada também conta com legislações equiparáveis às europeias, sendo que o país prepara a chegada do MAR-II, equivalente ao Stage 4 europeu. “É um nível que traz custos adicionais, mas que tem um benefício para a qualidade do ar”, frisa.

No que tange ao biodiesel, a ação regulatória do PNPB (Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel) ajudou o setor a superar 10 bilhões de litros em capacidade de produção e consumo em 2020. Hoje, o país já é o 3º maior produtor mundial, com 13,7% do total. “Em dezembro de 2020, havia 49 usinas no país, concentradas no Sul e Centro-Oeste”, relata Franieck.

Segundo ele, há planos governamentais para ampliar a participação. “Era para já estarmos na fase B12, mas o processo recuou para a B10 com a pandemia”, sublinha o executivo, destacando que também se busca maior eficiência de motores. “Já está para começar o Ciclo 2 (2023-2028), que inclui a substituição de combustíveis fósseis para alternativas descarbonizadas”, informa. “Isso traz uma visibilidade que se expande para as demais áreas, pois promove a pesquisa ao integrar universidades, institutos e empresas – além de criar metas de eficiência energética específicas para o país.”

Da mesma forma, o Programa Combustível do Futuro vem avaliando a demanda para motores de Ciclo Otto, assim como alternativas para produção de diesel sintético. Além disso, a sistemática de comercialização do biodiesel deve se alterar nos próximos anos, estimulada pela recente regulamentação do diesel verde pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

Outra frente de atuação é o Programa RenovaBio, que se junta ao debate sobre os combustíveis do futuro. Buscando reduzir em 10,1% a intensidade de emissão de carbono até 2028, o programa prevê a introdução de biocombustíveis em todos os níveis, a uma velocidade mais adequada. “Esse processo também vem ocorrendo em outros países ricos em minérios, como Argentina, Chile e México”, lembra Franieck. “A demanda por lítio e outros metais para baterias faz com que a mineração assuma um papel estratégico na formação da cadeia de descarbonização.”

ALTERNATIVAS

De acordo com Franieck, já existem alternativas de biocombustíveis para máquinas pesadas, mas a descarbonização pode ser um fator de competitividade especialmente para o uso de biomassa.

Nesse rol, o HVO (Hydrotreated Vegetable Oil) – ainda não disponível comercialmente no Brasil – e outros biocombustíveis ganham protagonismo, viabilizados por uma regulação favorável e investimentos. “O cenário previsto pela Anfavea projeta um aumento de 15% de relevância do HVO no mix até 2030, contra 3% no cenário inercial”, ressalta Franieck. O HVO (diesel verde), diz ele, contém moléculas mais estáveis, com melhor eficiência na queima e regulagem do motor. “Mesmo crescendo a frota, não crescem as emissões”, aponta. “Estamos buscando estabelecer regras no marco legal para tornar isso viável.”

Projeções até 2035 mostram impacto dos biocombustíveis no mix de fontes de energia em relação ao cenário inercial

Por outro lado, as restrições para uso de biomassa e fontes renováveis vêm estimulando as pesquisas com hidrogênio. De acordo com relatório da Bloomberg NEF, o hidrogênio verde pode ser produzido na faixa de US$ 0,8 a US$ 1,6/kg na maior parte do mundo antes de 2050. “O hidrogênio verde será mais barato que o gás natural em 15 dos 28 mercados modelados, em um aumento de escala”, salienta.

O relatório destaca ainda que o uso de energia solar ou eólica leva a um menor custo para a produção. Desse modo, o Brasil aparece como o mais barato entre os países estudados. “Vários investimentos têm acontecido para tornar isso realidade em breve, com o país exportando hidrogênio em pouco anos”, reitera Franieck, observando que são necessários ganhos de produtividade para competir com o diesel. “De todo modo, nos próximos cinco a dez anos o custo do hidrogênio verde será mais competitivo que o diesel”, projeta.

O país também tem a oportunidade de misturar biodiesel para transformar em HVO, novamente com menor custo. “A introdução do hidrogênio dentro da linha do gás natural é interessante para a mineração, feita nas proximidades da área de uso”, acentua. “O uso de hidrogênio verde pode reduzir os custos na mineração em relação ao consumo e transporte de diesel, o que pode ser considerável em locais remotos.”

Dependendo do uso, até 20% de hidrogênio podem ser misturados nos dutos de gás natural. E quanto maior o porte do veículo, maior é a vantagem para a tecnologia. “O Brasil pode ser transformar em um dos maiores produtores de energia limpa do mundo”, avalia Franieck. “Mas temos de fazer isso de forma integrada, com visão ‘do poço à roda’, desde a extração até o consumo.”

PROTAGONISTAS

Fundamental no contexto energético, o debate vem sendo direcionado por inovações que conduzem a indústria na transição. A Cummins é um exemplo, tendo investido em 2021 mais de US$ 1 bilhão em pesquisas para promover a descarbonização total até 2050.

Dois anos antes, a empresa já havia iniciado a caminhada com a aquisição da Hydrogenics, estabelecendo a unidade New Power, que cobre motores, sistemas de energia e componentes. Diversos protótipos já estão em operação, incluindo elétricos a bateria e com células a combustível.

“Nos EUA, um dos destaques é a parceria com a Scania e Freightliner para caminhões Classe 8 usando células”, afirma Fábio Magrin, gerente geral da Cummins para Chile e Peru, destacando que atualmente as emissões já são mais baixas, graças especialmente a motores de alta tecnologia. “Mas precisamos avançar, reduzindo as emissões desde o fabricante até o consumidor, focando não somente no veículo, mas também em tudo o que integra a cadeia produtiva.”

Na mineração, muitos clientes já começaram a se mexer. Dentre as ações, destacam-se iniciativas de mineradoras como Bolden Mine, Rio Tinto, Nouveau Monde e outras, que apontam para a mesma direção. “Na África do Sul, a Anglo American tirou o powertrain de um motor de caminhão com alternador e substituiu por células e baterias”, conta Magrin.


Caminhão com células a combustível e baterias foi adotado pela Anglo American na África do Sul

Para ele, essas empresas serão protagonistas na indústria de renováveis, impulsionando a adoção de combustíveis alternativos em larga escala. Alguns, revela, anteciparam o cancelamento de contratos de fornecimento de térmicas e estabeleceram acordos para fontes renováveis. “Porém, não existe uma solução única, pois depende da aplicação, tipo de máquina e local de operação”, argumenta. “Essa transição não vai ocorrer de um dia para o outro, vai levar anos ou até décadas. Para acelerar, é preciso estabelecer parcerias com empresas estratégicas globais, em um trabalho conjunto para entregar soluções a custos competitivos.”

A Cummins projeta que, no curto prazo, as minas de superfície continuarão a usar motor diesel e combinações de diesel com trolley. “Quando começa a subir a rampa, o caminhão toca as linhas, o motor praticamente desliga e o equipamento sobe usando apenas energia elétrica”, descreve. Na parte subterrânea, o motor diesel e veículos elétricos devem se sobressair, com tendência de caminhões maiores e frotas menores, diminuindo a pegada de carbono. Completam o quadro o uso de sintéticos como HVO e investimentos em infraestrutura verde (hidrogênio).

No longo prazo, a partir de oito anos, os motores de combustão interna devem continuar queimado diesel ou outro combustível sintético, além do avanço de células e trolleys com baterias de troca rápida. “Outros avanços incluirão a introdução de células a combustível HPB (High Power Batteries) e HEB (High Energy Batteries), assim como a integração de subsistemas”, adianta.


Projeção da transição energética em minas de superfície e subterrâneas mostra tendências de soluções para os próximos anos

DEMANDA

Responsável por 27,4% do PIB brasileiro em 2021 (com R$ 1,98 trilhão), o agronegócio também se mantém atento à demanda energética. E essa preocupação passa pelas frotas que atuam no campo. “Sem dúvida, o combustível é o mais importante item na demanda energética, apesar de termos uma frota ainda considerada pequena em comparação ao volume de veículos”, pondera Daniel Zacher, diretor da Tekter Consultoria.

O especialista recorda que, quando o programa do biodiesel foi introduzido no país, algumas questões técnicas causaram preocupações, como o impacto do teor no desempenho dos equipamentos. “Ensaio realizado com um motor OM926 – P7 mostrou que há redução na potência e no torque quando se utilizam blends de 50%, além de aumento no consumo”, explica Zacher. “Também se observou um aumento significativo de emissões de NOX, principalmente.”

Atualmente, todavia, utiliza-se um blend de 10%, bem abaixo dos testes. “Assim, há espaço para elevação do blend em uma faixa entre 10% e 20%, observando cuidados no que se refere à operação, armazenamento e controle das especificações”, completa o executivo, que também cita o HVO como uma opção interessante para motores de ignição por compressão.


Com regulação favorável e investimentos, diesel verde e outros biocombustíveis ganham protagonismo

“A maior vantagem do HVO, ligada às suas característica físico-químicas, é ser considerado combustível ‘drop in’, com características similares ao diesel fóssil, especialmente na estabilidade à oxidação”, detalha. “A questão é a produção, pois temos condições técnicas, mas resta equalizar o ambiente econômico para custos com energia elétrica, tributos etc., que podem tornar o HVO uma opção mais atrativa.”

Outras tendências citadas por Zacher são o biogás e o biometano, alternativas interessantes nas regiões rurais, uma vez que suas matérias-primas são resíduos agrícolas e biomassa. “A partir do processo de biodigestão aeróbica é gerado um gás, com 70% de metano e 30% de CO2, que pode ser enriquecido e utilizado na cogeração de energia e na mobilidade”, repassa.

Para ilustrar, o diretor cita o modelo New Holland T6 Methane Power, primeiro trator agrícola movido a biometano. Apresentado na Agrishow 2022, a trator tem compromisso de diminuir as emissões em até 80%, com 99% a menos de materiais particulados e redução no custo final do combustível.


Desenvolvimento de trator a metano manteve curvas de calibração e autonomia operacional da máquina

“Foi uma solução de engenharia com muitos desafios, no sentido de usar uma tecnologia de combustão interna com ignição por centelha em uma máquina que já existia, mantendo as mesmas curvas de calibração, autonomia suficiente para a atividade, solução com biodigestor e especificações de upgrade”, destaca.

Quanto à eletrificação, Zacher resgata uma simulação da AGCO, que traçou quatro cenários (50, 180, 280 e 380 cv) para tratores agrícolas, com recarga diária e utilização média de 50% da potência do trator. Com a tecnologia atual, as baterias teriam volume e peso de, respectivamente, 0,3 m3 (0,6 t), 2 m3 (6 t), 3,8 m3 (12 t) e 5 m3 (15 t), o que torna a tecnologia factível apenas para a potência de 50 cv. “A expectativa é que se possa evoluir em relação à armazenagem das baterias ou formas mais inovadoras como as células de hidrogênio ou etanol”, avalia.

Outro exemplo citado pelo especialista é a plantadeira híbrida Uniport Planter 500 da Jacto, também exibida na Agrishow e que traz motor a diesel com gerador acoplado, que aciona motores elétricos montados nas rodas de forma independente. “A eletrificação dos sistemas de acionamento tem permitido um aumento na automação das máquinas, abrindo espaço para os motores elétricos justamente pela maior precisão e facilidade de integração”, conclui Zacher.

WEBINAR
Evento on-line avalia futuro dos combustíveis

Com transmissão pelo canal da Sobratema no Youtube, o webinar “Combustíveis do futuro nos equipamentos de construção” reuniu especialistas para debater o estágio atual das tecnologias na área.

“Uma vez que a economia do petróleo é entendida como não sustentável, torna-se imperativa a redução das emissões”, diz Afonso Mamede, presidente da Sobratema. “Inúmeras empresas já se dedicam a projetos de energia renovável, o que imprime uma diversidade espantosa ao desenvolvimento dessas tecnologias em que o Brasil é protagonista importante.”

Para o vice-presidente da Sobratema, Silvimar Fernandes Reis, o tema é tão sensível quanto urgente. “Problemas complexos não têm soluções fáceis”, afirma o coordenador do programa de ESG da entidade.

“Trata-se de um chamado não apenas para fabricantes, mas também construtoras, prestadores e demais envolvidos na cadeia produtiva, que precisam rever conceitos e a forma como executam seus serviços”.

Já Monica Panik, diretora de Associação Brasileira do Hidrogênio (ABH2) e curadora da Expo, Summit e Digital, destaca que não existe uma solução única. “Essa diversidade é a chave do sucesso para reduzir as emissões, além de ser uma possibilidade de nos tornarmos independentes energicamente”, destaca.

“A independência energética é tema prioritário no mundo inteiro e o Brasil – com seu grande potencial de energia renovável – pode produzir combustível limpo utilizando diferentes fontes e diversificando investimentos. São soluções que podem ser aplicadas hoje, não no futuro.”

Confira a íntegra do evento no vídeo abaixo.

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