Construção
Valor Econômico
20/07/2011 10h00 | Atualizada em 01/08/2011 12h57
Bastaria camuflar máquinas e homens para que os primeiros movimentos que começam a se espalhar no entorno de Altamira (PA) se confundissem com uma complexa operação do Exército. Não é nada disso. Mas o engenheiro Luiz Fernando Rufato prefere lançar mão de expedientes militares para definir o clima que passou a tomar conta das margens do rio Xingu. “Começamos uma campanha de guerra. Estamos longe de tudo e temos prazo para garantir o trânsito livre na região. Nosso desafio se chama logística, e nós começamos a enfrentá-lo”, diz ele.
Rufato é diretor de construção do consórcio Norte Energia, grupo de empresas responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte. Há dez dias, as primeiras máquinas que abrirão caminho até os pon
...Bastaria camuflar máquinas e homens para que os primeiros movimentos que começam a se espalhar no entorno de Altamira (PA) se confundissem com uma complexa operação do Exército. Não é nada disso. Mas o engenheiro Luiz Fernando Rufato prefere lançar mão de expedientes militares para definir o clima que passou a tomar conta das margens do rio Xingu. “Começamos uma campanha de guerra. Estamos longe de tudo e temos prazo para garantir o trânsito livre na região. Nosso desafio se chama logística, e nós começamos a enfrentá-lo”, diz ele.
Rufato é diretor de construção do consórcio Norte Energia, grupo de empresas responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte. Há dez dias, as primeiras máquinas que abrirão caminho até os pontos onde serão instalados os canteiros de obra desembarcaram no município de Vitória do Xingu. São as primeiras ações práticas depois que o Ibama liberou a licença de instalação da obra e virou a página de 35 anos de alterações de projeto, protestos e críticas sem fim.
Os primeiros funcionários já estão em treinamento, aprendendo em videogames como operar caminhões, retroescavadeiras e outros equipamentos. Hoje são algumas centenas de homens trabalhando em um pequeno centro de treinamento, em Altamira. Em três anos, haverá 22 mil pessoas distribuídas em três canteiros de obra, no meio da mata da Volta Grande do Xingu, a cerca de 80 quilômetros dali.
Os canteiros pioneiros, montados com tendas e ar condicionado, começaram a ser erguidos no meio da mata. Funcionários passarão seis meses nessas bases provisórias, para construir os três canteiros definitivos e quatro refeitórios que, juntos, terão capacidade de produzir 70 mil refeições por dia.
A complexidade logística de Belo Monte, empreendimento orçado em R$ 26 bilhões, vai exigir todo o tipo de obra viária para que, durante seus nove anos de construção, o empreendimento transcorra como planejado. Para tanto, o aeroporto de Altamira terá de ser ampliado e a rodovia Transamazônica, finalmente pavimentada. Outros 400 quilômetros de estrada serão abertos. No rio Xingu, o consórcio vai construir um novo porto, para apoiar a chegada de máquinas pesadas, parte delas vindas de outros países.
Para reduzir dificuldades, o consórcio construtor tem priorizado a contratação de quem vive na região. Mais de 13 mil pessoas se cadastraram para trabalhar na obra. Dessas, só 287 não são da região. “O ideal seria contratar as 22 mil pessoas nos municípios próximos da obra, mas não será possível. Por isso, vamos treinar e contratar todos que conseguirmos”, diz Rufato.
Na cabeça dos gestores de Belo Monte está a preocupação de evitar os problemas que macularam as obras das usinas do Madeira, em Rondônia, além de dar uma resposta positiva à enxurrada de críticas que prevê o caos social, com a chegada de milhares de pessoas a uma região que é carente de todo o tipo de serviço básico.
Nos canteiros, estão previstos quartos com camas individuais, e não beliche. Os locais terão casa lotérica, caixa bancário, templo religioso, centros de lazer, lan house e lanchonete vendendo de tudo, inclusive cerveja. “E com álcool”, completa Rufato. “Se você não consegue controlar algo, não adianta proibir. Mas quem quiser, vai ter de pagar um preço alto.”
Transporte das máquinas
O mesmo rio que vai gerar a energia de Belo Monte será um dos principais modais logísticos para transportar milhares de máquinas para a construção da hidrelétrica. A primeira leva de equipamentos que serão usados para apoiar as operações de terraplenagem dá uma ideia do que vem pela frente.
Nos próximos meses está prevista a entrega de 700 máquinas, entre caminhões articulados, tratores de esteira, pás carregadeiras, escavadeiras, rolos compactadores, motoniveladoras e retroescavadeiras. A maior parte dessa parafernália toda virá pelo rio. A complexidade da operação atraiu a visita do presidente mundial da americana Caterpillar, Stu Levenick, que esteve em Altamira para ver o projeto de perto. Não por acaso. Belo Monte é hoje o maior contrato da fabricante em todo o mundo.
Hoje o pequeno porto instalado no município de Vitória do Xingu tem sido usado para receber os primeiros equipamentos comprados pelo consórcio construtor de Belo Monte, liderado pela Andrade Gutierrez. A baixa profundidade do rio neste porto, no entanto, impede que tudo seja despachado por ali.
“Algumas peças pesam 300 toneladas, por isso precisamos de profundidade. Vamos construir um novo porto no Xingu, num local que poderá receber material todos os dias do ano”, diz Rufato. O projeto do novo porto já está pronto e aguarda licenciamento da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Estado do Pará (Sectam) para ser construído.
O maior desafio para se transportar equipamentos pelo rio é a sua variação de profundidade. Se pela estrada o problema é encarar centenas de quilômetros de terra e buraco, no Xingu a questão é lidar com as oscilações das águas. Em períodos de cheia, entre os meses de dezembro e junho, o Xingu já chegou a jorrar 32 mil metros cúbicos de água por segundo. Na baixa, de julho a novembro, chegou a ter apenas 440 metros cúbicos por segundo.
Na média, todos os anos seu nível mais baixo chega a ficar abaixo de mil metros cúbicos por segundo. “Temos de lidar com isso. Quando se fala de janela hidrológica, não é brincadeira. Nessa região você trabalha seis, sete meses por ano. O resto do tempo é procurar um jeito de trabalhar”, diz o diretor da Norte Energia.
A mudança no nível de vazão é tão forte que a usina de Belo Monte passará praticamente quatro meses do ano com as 18 turbinas de sua casa de força principal desligadas e em manutenção, operando apenas com algumas das turbinas de sua casa de força complementar. Isso ocorre porque a hidrelétrica será alimentada por um reservatório que aproveita apenas a queda de água, ou seja, não tem finalidade de armazenamento por longo prazo.
Há dez dias, o primeiro comboio desembarcou no cais da pequena Vitória do Xingu carregando 37 máquinas pesadas. Foram quatro dias de viagem rio acima, desde o ponto de embarque, no porto de Belém. De acordo com as informações repassadas pelo Norte Energia ao BNDES, financiador de parte da obra, o total dos contratos de equipamentos da usina soma aproximadamente R$ 4,5 bilhões.
Expansão do aeroporto
As operações logísticas de Belo Monte envolverão a ampliação do aeroporto de Altamira. O consórcio Norte Energia está em contato com a Infraero, que deverá colocar uma licitação no mercado ainda este mês para contratar as obras de ampliação do aeroporto. Preparado para receber apenas aviões de pequeno porte, como turboélices, o aeroporto terá sua pista aumentada para receber aviões do porte de boeings. A mudança será necessária para atender, principalmente, o fluxo constante de pessoas que transitarão pelo aeroporto nos fins de semana, já a partir do ano que vem.
No terceiro ano da obra, quando Belo Monte tiver 22 mil funcionários em operação, o consórcio Norte Energia prevê que, semanalmente, serão necessários até oito aviões de grande porte pousando em Altamira. Apesar do esforço do consórcio para contratar o maior número possível de pessoas da região, a Norte Energia calcula que cerca de 1,8 mil pessoas, em média, transitarão pelo aeroporto por fim de semana, entre idas e vindas.
“Hoje a capacidade que existe não atende. Numa sexta-feira o aeroporto transporta pouco mais de 300 passageiros, mas vamos precisar de mais de 500 passagens só nesse dia”, diz Rufato. O consórcio já está negociando com companhias aéreas a criação de uma rota regular de voos de grande porte até Altamira. Entre as empresas que já foram consultadas estão a TAM e Gol. “Não vamos comprar avião e fazer linha aérea. Teremos um fluxo regular de pessoas na cidade. É natural que as companhias aéreas se interessem em operar o trecho”, comenta Rufato.
O transporte aéreo é uma dos benefícios mais recentes – e caros – que os trabalhadores de obras isoladas conquistaram. Em Belo Monte, haverá funcionários que viajarão a cada 45 dias. Outros viajarão a cada seis meses. Há um período de viagem para cada tipo de ocupação.
A dificuldade de acesso à região chega a dificultar, inclusive, a própria reforma do aeroporto de Altamira. Segundo Rufato, recentemente a Infraero chegou a colocar um edital no mercado para contratar uma empreiteira, mas a licitação não atraiu ninguém. A dificuldade de abastecimento de brita na região e o custo de mobilização de trabalhadores minaram o interesse das construtoras na obra. Rufato diz ter conversado com empreiteiras para estimular a entrada das empresas na nova licitação.
03 de junho 2019
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