Malgrado a crise econômica que assola o país, na indústria ferroviária brasileira a situação parece estável e, pode-se até dizer, auspiciosa. Com sua primeira fábrica no Brasil prestes a ser inaugurada, a Hyundai Rotem – braço fabricante de vagões, locomotivas e componentes ferroviários do imenso conglomerado sul-coreano –, por exemplo, chega repleta de planos ao país.
Instalada em uma área de cerca de 150 mil m² no distrito industrial de Araraquara (SP), às margens da rodovia SP-255 e de um novo contorno ferroviário – previsto para ficar pronto ainda neste ano –, a nova fábrica é fruto de um investimento inicial de US$ 40 milhões. Se cumprido o prazo de entrega da unidade, a obra terá sido um prodígio da engenharia: a contar do assentamento da pedra fundamental (ocorrido em 2 de abril de 2015) e considerando a data prevista de inauguração (no dia 18 de março), terão transcorridos exatamente 351 dias.
A escolha do local deve-se a seu posicionamento geográfico, cercado por importantes entroncamentos rodoviários que ligam o estado a todos os cantos do pa
Malgrado a crise econômica que assola o país, na indústria ferroviária brasileira a situação parece estável e, pode-se até dizer, auspiciosa. Com sua primeira fábrica no Brasil prestes a ser inaugurada, a Hyundai Rotem – braço fabricante de vagões, locomotivas e componentes ferroviários do imenso conglomerado sul-coreano –, por exemplo, chega repleta de planos ao país.
Instalada em uma área de cerca de 150 mil m² no distrito industrial de Araraquara (SP), às margens da rodovia SP-255 e de um novo contorno ferroviário – previsto para ficar pronto ainda neste ano –, a nova fábrica é fruto de um investimento inicial de US$ 40 milhões. Se cumprido o prazo de entrega da unidade, a obra terá sido um prodígio da engenharia: a contar do assentamento da pedra fundamental (ocorrido em 2 de abril de 2015) e considerando a data prevista de inauguração (no dia 18 de março), terão transcorridos exatamente 351 dias.
A escolha do local deve-se a seu posicionamento geográfico, cercado por importantes entroncamentos rodoviários que ligam o estado a todos os cantos do país, principalmente às regiões Centro-Oeste e Sul, fator que contribuiu para que muitas outras empresas também se instalassem por ali, a exemplo da Randon (leia Box na pág. 30). Mas o aspecto crucial é mesmo o fato de a cidade também ser uma espécie de ponto de encontro ferroviário em que se cruzam os principais tipos de bitola e trilhos usados no Brasil, o que facilita a logística e, por outro lado, configura um enorme entrave para viabilizar o modal ferroviário em outras regiões.
PROJETOS
Trata-se da segunda maior unidade produtiva da empresa no mundo e, de acordo com André Han, diretor comercial da Hyundai Rotem Brasil, será igualmente responsável por atender à demanda dos demais países da América Latina. “Consideramos o Brasil extremamente promissor e economicamente forte”, sublinha. “Apesar da atual crise, há uma exigência grande em projetos e investimentos em mobilidade urbana, de modo que enxergamos aqui uma grande oportunidade de negócios.”
O fato de o país estar atravessando um período turbulento obviamente não intimida a Hyundai, o que se evidencia nas palavras do diretor. “Estudamos o Brasil há muitos anos para entender melhor seus ciclos econômicos. Já prevíamos esta fase, e nossos investimentos foram calcados em um cenário de longo prazo”, comenta. “Estamos certos de que um novo ciclo de aquecimento virá nos próximos anos, a depender da reorganização política e econômica para fomentar essa retomada.”
Han se refere a um período que remonta há mais de uma década, a contar do primeiro contrato fechado com o governo estadual da Bahia, em 2003, para o fornecimento de seis trens, no total de 24 TUEs, sigla para Trem Unidade Elétrica, destinados ao sistema metropolitano da capital, Salvador. O negócio deu tão certo que em 2013 a prefeitura daquela cidade voltou a comprar da companhia, para complementar a mesma Linha 1 de metrô e ainda equipar a Linha 2, mas desta vez em volume bem maior: 34 trens, com 136 carros.
Além destas, negociações com outras entidades governamentais, como a fechada com a Secretaria dos Transportes do Rio de Janeiro em 2004 (para o fornecimento de 20 trens, com 80 carros) e com a Concessionária da Linha 4 do Metrô de São Paulo em 2007 (contemplando 29 trens, com 174 TUEs), encorparam o projeto para uma planta em solo brasileiro. Até então as composições eram importadas da matriz, na Coreia do Sul, em uma complexa operação de transporte. Ao lado dessa logística difícil de importação, novos negócios de maior vulto e as cada vez maiores exigências por conteúdo nacional tornaram a fábrica brasileira uma necessidade premente para a empresa.
Foi então que, após muita conversa, surgiu a ideia de firmar um consórcio com a Iesa Projetos, Equipamentos e Montagens, uma fabricante de produtos metroferroviários de Araraquara cuja experiência de mais de três décadas mostrou-se ideal para atender à necessidade da Hyundai. “O início das operações na área cedida pela Iesa se deveu ao fato de termos compromissos para cumprir, com prazos desafiadores demais para aguardarmos até a conclusão da construção da planta própria”, conta Han. “E atender ao cliente é nossa prioridade.”
A implantação na linha temporária exigiu reforma e modernização das instalações, levadas na mesma toada frenética das obras para a nova unidade fabril. Iniciadas em março de 2015, a produção estava a todo vapor já em agosto. Já por meio de recursos do Finame, o primeiro lote saído das linhas da Hyundai no conjunto alugado incluiu 30 trens – cada um composto por 8 carros, somando 240 –, em um negócio fechado em agosto de 2013 com a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Em dezembro daquele mesmo ano a CCR Metrô Bahia, de Salvador, também partiu para as compras e arrematou 34 trens, compostos por 136 TUEs, todos via Finame, uma vez que, salvo por componentes como caixa e truque, em vias de entrarem em produção por aqui, cumprem a cota necessária para serem considerados produtos genuinamente nacionais.
O Brasil, e a América Latina de forma geral, estão em tão alta conta nas perspectivas da Hyundai que, mesmo depois de inaugurada a nova planta, o galpão alugado deverá ser aproveitado para eventuais picos de produção ou ampliação de portfólio, bastante diversificado em outros mercados, mas que, por ora, se limitará a apenas dois modelos, os de maior demanda por aqui e na região. Ou, ainda, para lidar com as especificidades de cada contrato, a exemplo dos trens solicitados para o sistema de Salvador, em composições com 4 carros, sendo todos motorizados, e do projeto da CPTM, que exige um TUE com 8 carros, dos quais 4 motorizados.
E os bons ventos não devem parar por aí. Segundo o executivo da Hyundai, outras “oportunidades” potenciais já estão no horizonte, como é o caso da Linha 13 – Jade, linha metroferroviária que ligará a capital paulista ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, em um projeto há tempos definido pelo Governo do Estado e que agora, finalmente, está em vias de sair do papel, com licitação esperada para acontecer em algum momento de 2016.
MARCO
Uma coisa é certa: a nova fábrica da Hyundai em Araraquara é um marco no desenvolvimento da região. Afora a atração natural que uma fabricante multinacional traz atrelada à sua instalação em qualquer lugar do mundo, no que diz respeito aos demais figurantes de um ambiente industrial – como fornecedores, sistemistas e prestadores de serviços em geral –, há um sem-número de oportunidades de emprego. No entanto, dado o alto nível de especialização necessária à montagem de trens de passageiros, a Hyundai deparou-se com a falta de mão de obra preparada para ocupar as vagas abertas. Por isso, como relata Han, “em um primeiro momento procuramos contratar profissionais já tarimbados, com experiência no setor. E para suprir a crescente necessidade por funcionários qualificados, firmamos um acordo com a prefeitura de Araraquara e o Senai para abertura de cursos profissionalizantes voltados para o setor industrial ferroviário”.
Com a capacidade instalada projetada para 200 TUEs/ano, estima-se algo em torno de 700 empregos gerados pela nova fábrica da Hyundai. Atualmente são 150 funcionários, dos quais 90 alocados na linha de montagem, número que deve dobrar com a mudança para a nova e definitiva unidade.
Randon mantém planos em suspenso
Os atrativos de Araraquara não seduziram apenas a Hyundai Rotem. A Randon Implementos e Participações também resolveu investir na região, antes ainda da fabricante sul-coreana, agora concorrente direta no segmento ferroviário.
O anúncio foi feito no fim de 2012, quando a empresa celebrou contrato de intenções de investimento na cidade junto à prefeitura de Araraquara e o Governo do Estado de São Paulo. Parte do plano de expansão e desenvolvimento projetado pela fabricante gaúcha – que contempla a aplicação de R$ 2,5 bilhões entre 2012 e 2016 para aumento de capacidade produtiva e novos negócios –, a planta deve consumir R$ 100 milhões do montante, em uma área construída de 25 mil m², dentro de um terreno de 22 hectares. De suas linhas sairão vagões ferroviários e semirreboques destinados, principalmente, às atividades canavieiras.
No caso dos produtos rodoviários, a proposta é que a unidade de Araraquara complemente a produção de Caxias do Sul (RS), que operava sobrecarregada durante o longo período de bonança da indústria de caminhões. Com o arrefecimento do mercado e a queda média de quase 50% – 47,7%, mais precisamente – nas vendas na comparação de 2015 sobre 2014, o plano inicial de produzir a partir de 2017 está suspenso por tempo indeterminado. Esta será a segunda fábrica da Randon no estado, que desde 1965 já produz semirreboques em Guarulhos.
Setor demonstra otimismo cauteloso
Como habitualmente, o início do ano dá o tom do cenário a se projetar nos meses seguintes. Com o lead time – algo como “tempo médio”, em português – de fabricação de um vagão girando em torno de seis meses, as estatísticas dizem pouco sobre o momento presente. Assim sendo, Vicente Abate, presidente da Abifer (Associação Brasileira da Indústria Ferroviária), é cauteloso ao avaliar os números do segmento no último ano. Enquanto em 2014 foram produzidos 4,3 mil vagões de carga, sobre uma expectativa de 3,5 mil, em 2015 as cifras repetiram resultado semelhante: 4.708 unidades comercializadas frente a 4 mil esperadas.
Com base em uma medida usual nas análises do setor, a previsão para a década de 2010 a 2019 é de 40 mil unidades negociadas, um volume bastante superior ao melhor período da indústria, de 1970 a 1979. “Hoje, em função das vendas programadas e de alguns eventos pontuais por acontecer ao longo desta década, é possível dizer que este resultado é absolutamente factível”, diz o dirigente.
No que diz respeito a carros de passageiros, os números são igualmente surpreendentes. Depois de uma queda contínua entre os anos de 2008 e 2012, em que foram produzidas, respectivamente, 447 e 207 unidades, em 2014 os volumes se recuperaram, alcançando 374 carros. Em 2015, uma pequena retração, baixando para 337, sem, no entanto, abalar as expectativas de 473 unidades para 2016, lastreadas em negócios já fechados.
Dentre outros tantos, Abate cita os projetos do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) e o Porto Maravilha, ambos no Rio de Janeiro (RJ), com implantação prevista para o primeiro semestre de 2016 – em tese, para atender ao aumento da demanda por transporte ocasionada pelos Jogos Olímpicos. E acrescenta: “Devido a ações estaduais e municipais, há mais de 200 quilômetros de acréscimo na malha ferroviária nacional, o que deve gerar muita movimentação na indústria metroferroviária brasileira”.
Dentre os pleitos do setor, Abate prioriza a redução das taxas de juros de financiamento, para tornar a indústria nacional mais competitiva, um programa “efetivo” de renovação da frota e de recuperação e expansão da combalida malha ferroviária brasileira. “O que nos falta é consistência, pois espaço para crescer há muito”, finaliza.
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