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Revista M&T - Ed.132 - Fevereiro 2010
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Transposição do rio São Francisco

Obras avançam no sertão nordestino

Antes mesmo de sua conclusão e de verter água para o semi-árido, o projeto já impulsiona a economia da região com a geração de empregos
Por Melina Fogaça

Considerada uma das obras de infraestrutura de maior impacto social em execução no Brasil, a transposição do rio São Francisco já começa a produzir resultados antes mesmo de estar próxima de sua conclusão. Apesar do avanço físico do projeto, ele ainda está longe de cumprir seu objetivo, de levar parte das águas do “Velho Chico” para os municípios do sertão do Nordeste e estimular a economia local. Mesmo assim, ele já impacta a economia do semi-árido e do agreste nordestino, que figuram entre as regiões mais carentes do País, por conta dos empregos gerados na sua implantação.

Uma visita ao projeto revela o acelerado ritmo do seu avanço e a transformação do cenário local. Foi o que fez a revista M&T ao percorrer os lotes 1 e 2, com cerca de 60% das obras executadas. Totalizando 63 km, esses dois lotes mobilizam 1.675 operários para a construção dos canais ao longo da sua extensão (Eixo Norte), além de gerar emprego para mais 720 profissionais terceirizados. “Devido à escassez de mão-de-obra especializada na região, trouxemos muitos técnicos de outras localidades


Considerada uma das obras de infraestrutura de maior impacto social em execução no Brasil, a transposição do rio São Francisco já começa a produzir resultados antes mesmo de estar próxima de sua conclusão. Apesar do avanço físico do projeto, ele ainda está longe de cumprir seu objetivo, de levar parte das águas do “Velho Chico” para os municípios do sertão do Nordeste e estimular a economia local. Mesmo assim, ele já impacta a economia do semi-árido e do agreste nordestino, que figuram entre as regiões mais carentes do País, por conta dos empregos gerados na sua implantação.

Uma visita ao projeto revela o acelerado ritmo do seu avanço e a transformação do cenário local. Foi o que fez a revista M&T ao percorrer os lotes 1 e 2, com cerca de 60% das obras executadas. Totalizando 63 km, esses dois lotes mobilizam 1.675 operários para a construção dos canais ao longo da sua extensão (Eixo Norte), além de gerar emprego para mais 720 profissionais terceirizados. “Devido à escassez de mão-de-obra especializada na região, trouxemos muitos técnicos de outras localidades do País, mas a maioria dos operários foi contratada na própria região”, diz Cássio Vittori de Campos, gerente de engenharia do Consórcio Construtor Águas do São Francisco, composto pelas empreiteiras Carioca Engenharia, Serveng Civilsan e S.A. Paulista.

O impacto sobre a economia da região é visível, principalmente em função das carências das populações locais, cuja principal atividade é o comércio e a agricultura de subsistência. Vale ressaltar que esse volume de empregos beneficia apenas alguns pequenos municípios ao longo do traçado dos lotes 1 e 2, como Cabrobó, Terra Nova, Salgueiro e outros, todos no interior do Pernambuco, que compõem a primeira parte da obra do Eixo Norte.

Mas esse eixo terá extensão muito maior que os 63 km dos lotes 1 e 2, atingindo 400 km de comprimento até o interior dos estados do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Além dele, o projeto contempla a construção de outro canal principal de 220 km (Eixo Leste), que avançará em direção à Paraíba, a partir da barragem de Itaparica, no município de Floresta (PE). Pelas estimativas do governo federal, o projeto deverá beneficiar uma população de 12 milhões de habitantes do Nordeste setentrional com a oferta assegurada de água.

O projeto
O projeto de transposição do rio São Francisco não é recente. As primeiras propostas datam de meados do século XIX, no período do Brasil Império, e se estenderam durante o século XX, sempre despertando muita polêmica (veja quadro na pág. 14). A ideia consiste em aproveitar parte da vazão do rio para abastecer áreas do “Polígono da Seca”, a região com menor disponibilidade de água do País. Com isso, seria possível sanar parte das mazelas sociais do Nordeste brasileiro, responsáveis pelo subdesenvolvimento econômico da região e pelas migrações impulsionadas pela seca.

Com um custo estimado em R$ 5 bilhões, o projeto está sob responsabilidade do Ministério da Integração Nacional e figura como prioridade para o governo Luiz Inácio Lula da Silva, que prevê sua conclusão em 2025. Ele consiste basicamente na construção de dois canais principais – os eixos Norte e Leste – que se ligarão a uma série de canais secundários, adutoras e reservatórios, interligando o São Francisco a outras bacias do Nordeste setentrional. Para que a água transportada possa vencer os desníveis topográficos, o empreendimento contempla a construção de nove estações de bombeamento, ainda não licitadas.

As travessias de rios, estradas e ferrovias serão realizadas por meio de aquedutos, além de alguns túneis previstos em projeto. Ao longo dos dois eixos principais e de seus ramais, serão construídas 30 barragens para a formação de reservatórios, de forma a permitir o fluxo de água nos períodos em que algumas estações de bombeamento estiverem fora de operação. O projeto contempla que elas fiquem desligadas durante um período do dia, para reduzir custos de energia. A construção do primeiro trecho dos eixos Norte e Leste, denominado de canal de aproximação, está sob responsabilidade do Exército Brasileiro. O restante da obra foi licitado a consórcios de construtoras.

Escavações em rocha
Os dois eixos do projeto envolvem a escavação de canais em seção trapezoidal e sua concretagem. Nos dois primeiros lotes do Eixo Norte, o canal conta com 6 m de largura de fundo e 24 m de largura de superfície, apresentando uma altura variável de 5,5 m a 6 m. “Estamos executando o serviço pelo sistema de compensação por corte e aterro, sendo que em algumas áreas prevalece a realização de aterros e, em outras, as escavações”, explica Cássio Vittori de Campos, do Consórcio Construtor Águas do São Francisco.

Por esse motivo, ele diz que a obra se destaca pelo equilíbrio na movimentação de solos, dispensando a necessidade de importação de materiais. “Temos apenas algum excedente que é destinado a bota-foras especificados em projetos.” Ao todo, o consórcio está escavando, nos dois lotes sob sua responsabilidade, mais de 8,4 milhões m³ de materiais de 3ª categoria (rocha) e 7,8 milhões m³ de materiais de 1ª e 2ª, além de movimentar mais de 6,8 milhões m³ em aterro (veja quadro na pág. 16).

Devido às características geológicas do terreno, que é formado por um solo saprolítico, as escavações são realizadas com o uso de escavadeiras hidráulicas. Em muitas áreas, o afloramento de material rochoso impõe a necessidade de outra etapa de escavação, por sistema a fogo, com o emprego de carretas de perfuração pneumáticas e de explosivos. “Após as detonações, rompedores hidráulicos são mobilizados para a remoção de irregularidades e o acabamento dos taludes”, diz Campos.

Nos aterros, o acabamento do talude é realizado pelas próprias escavadeiras, equipadas com caçamba lisa (sem dentes). Posicionadas fora do canal, elas deslizam a caçamba sobre a superfície do talude até obter o acabamento desejado. Na área de escavação de rocha, o projeto contempla ainda a execução de um túnel de 320 m de extensão, a ser construído no lote 1 por sistema NATM (New Austrian Tunnelling Method).

Produtividade na concretagem
Após o acabamento, o consórcio parte para a construção do sistema de drenagem, com a execução de um colchão de areia e a instalação de uma tubulação perfurada em uma canaleta de brita, ao longo do eixo do canal, para a coleta de águas pluviais. O passo seguinte envolve a impermeabilização da obra, com a aplicação de manta plástica em todo o talude e na superfície de fundo. “Nas escavações em rocha, essa etapa é precedida por uma regularização do terreno com a aplicação de uma camada de concreto poroso e, nas áreas com presença de solo, realizamos o acabamento com solo-cimento.” Segundo o engenheiro, esse procedimento tem o objetivo de proteger a manta plástica contra eventuais danos que possam comprometer a impermeabilidade da obra.

A última etapa de construção envolve a concretagem, que é realizada em panos alternados de 3 m de largura. “O material é lançado por gravidade e, para facilitar seu adensamento, desenvolvemos um equipamento apropriado para a aplicação do concreto em todo o talude e no fundo do canal.” O equipamento em questão é um carrinho dotado de motor elétrico interligado a um eixo, que aciona dois cabos presos a um cilindro metálico na outra extremidade.

No momento da concretagem, o equipamento é posicionado atrás da bica do caminhão-betoneira, que despeja o material diretamente no local de aplicação. Enquanto alguns operários realizam o espalhamento do concreto, um funcionário manuseia o cilindro metálico, que se desloca em velocidade uniforme à medida que o cabo é liberado pelo eixo do equipamento. Com isso, o dispositivo realiza a compactação do concreto.

“Cada equipe de concretagem avança uma média de 3 km/mês e estamos montando uma nova turma para o cumprimento do cronograma”, afirma Campos. Durante essa etapa, ele explica que o pessoal da obra deve manter uma integração com a produção de concreto, que é terceirizada para a empresa Wanmix. Afinal, nesse momento, o fornecedor precisa disponibilizar a produção de suas centrais de concreto e programar a quantidade necessária de caminhões-betoneira para atender às frentes de trabalho. “Como cada pano consome 4 m³ de material, um caminhão permite concretar quase dois deles”, complementa o engenheiro.

Frota mobilizada
A meta do consórcio Águas do São Francisco é concluir a obra até abril de 2011. Para isso, ele mobiliza dois turnos de trabalho e uma frota de 395 equipamentos pesados, entre próprios e terceirizados. A lista inclui desde escavadeiras hidráulicas, rolos compactadores, motoniveladoras e caminhões basculantes, até carretas de perfuração, caminhões pipa, comboios de lubrificação e demais equipamentos de apoio. “Terceirizamos apenas as máquinas usadas em serviços especiais, como as perfurações em rocha, ou aquelas cujos participantes do consórcio não tinham disponíveis para integralizar à frota ou cujo tempo de uso não justificaria sua aquisição.”

O consórcio opera ainda com uma central de britagem, uma usina de solos e conta com oficinas para a manutenção da frota de equipamentos na própria obra. Segundo as estimativas de Campos, o avanço do serviço permitirá a desmobilização de alguns equipamentos a partir do fim deste ano. “Eles serão realocados para o lote 7, também sob nossa responsabilidade, que fica distante das atuais frentes de trabalho.” Esse lote conta com 13,16 m de extensão e atualmente se encontra em fase de remoção da camada vegetal e de abertura do canteiro.

O engenheiro ressalta o desafio logístico na coordenação dos recursos necessários a uma obra que se desenvolve de forma linear, demandando muitos equipamentos e equipes de profissionais em cada ponto de avanço. Ao percorrer trechos do projeto, é possível constatar esse desafio: de pontos em pontos, equipes interrompem o silêncio do sertão nordestino com mais de uma centena de operários e muitas dezenas de equipamentos, ora escavando o leito do canal, ora realizando sua concretagem ou construindo aquedutos para a realização de travessias.

“Em termos de planejamento, nada se compara ao desafio de transportar diariamente cerca de 2.400 funcionários para suas respectivas frentes de trabalho e garantir seu suprimento com refeições e água”, ressalta Campos. Em cada uma dessas praças, o consórcio instala tendas com área para a alimentação dos funcionários, estoque de água gelada, sanitários e área de descanso.

Cuidados com a manutenção
Numa obra com esse perfil, que transcorre em dois turnos de trabalho, os cuidados com a manutenção dos equipamentos merece o mesmo nível de planejamento. “Realizamos as lubrificações e ações preventivas no campo, seguindo os prazos estipulados pelos fabricantes, e concentramos as intervenções maiores nos domingos, quando as máquinas estão fora de operação”, diz Aristeu Lopes Flores Filho, gerente de equipamentos do consórcio. Esse é o caso, por exemplo, da usina de britagem -- cuja manutenção está sob responsabilidade de sua supervisão operacional e não da área de Aristeu -- que concentra as trocas de materiais de desgaste e os serviços de ajuste apenas nos domingos.

Para cuidar da manutenção dos equipamentos mobilizados na obra, o consórcio opera com uma oficina mecânica equipada com borracharia, solda, reparos elétricos e área de lavagem das máquinas, entre outros setores. Além disso, ele conta com quatro postos avançados no lote 1 e dois no lote 2, cada um deles dotado de um mecânico, um eletricista e um borracheiro, e dispõe ainda de três comboios de lubrificação em cada lote. “Temos duas oficinas móveis equipadas com torno de bancada, máquina de solda, lixadeira e furadeira, que permitem realizar alguns serviços sem a necessidade de retirar o equipamento do campo.”

Segundo Aristeu, o consórcio realiza apenas as montagens e desmontagens dos componentes pricipais, deixando os reparos desses subconjuntos, como sistemas hidráulicos e transmissão, sob a responsabilidade das distribuidoras autorizadas de cada marca. “Como a maior parte das nossas operações envolve movimentação de rocha, temos muitos problemas relacionados a esse tipo de material, como reparos em caçambas, trocas frequentes das ferramentas de penetração do solo e danos nos pneus.”

Por esse motivo, o especialista explica que foi necessária uma adequação na frota de caminhões em operação na obra, na qual predominavam os pneus radiais. “Migramos para os modelos diagonais. O índice de cortes continua alto, mas pelo menos conseguimos recuperar muitas unidades, o que era mais difícil com os radiais.” Nos caminhões, ele diz que os problemas mais frequentes envolvem a quebra de embreagem e da barra que fixa o diferencial à carcaça do veículo. “Eles operam em terreno muito acidentado e sob severas condições de trabalho”, justifica Aristeu.

Devido às limitações impostas pela largura da área escavada, em função das dimensões do canal, os caminhões têm pouco espaço para manobras. Por esse motivo, muitas vezes eles precisam descer rampas acentuadas até a área de carregamento com a marcha à ré engatada. Não é a situação ideal, mas é a possível diante das condições da obra. Nesse cenário, Aristeu diz que o consórcio realiza muitas ações de manutenção não apenas em seus equipamentos, mas também nos das empresas contatadas. “Trata-se de uma necessidade, para que eles não venham a parar e a comprometer o desenvolvimento da obra.”

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