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Revista M&T - Ed.274 - Junho 2023
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ESPECIAL INFRAESTRUTURA

Alterações no marco do saneamento geram controvérsias

Para os especialistas, mudanças na lei merecem atenção especial para que se mantenha a segurança jurídica, fator que tem permitido o avanço do setor nos últimos anos

A falta de saneamento básico é um problema crônico no país que, além disso, marca as desigualdades sociais no território nacional. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações (SNIS), o abastecimento de água potável atinge 84,2% da população, enquanto o serviço de coleta de esgoto está disponível para apenas 55,8% dos brasileiros.

Esses índices mostram que mais de 35 milhões de pessoas ainda não têm acesso à rede de abastecimento e que aproximadamente 100 milhões de pessoas não contam com coleta de esgoto. Ainda segundo o SNIS, apenas 51,2% dos dejetos são destinados a tratamento, ou seja, praticamente metade de todo o esgoto gerado no país é despejado na natureza sem tratamento.

É nesse gargalo que se revela a importância do Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020), aprovado em 2020. Segundo Percy Soares Neto, diretor-executivo da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon/Sindcon), após três anos a aprovação da lei já se refletiu em R$ 89 bilhões de investimentos contratados pelos operadores privados. “O Novo Marco é um avanço considerável para o setor e está em linha com as necessidades da sociedade em termos da universalização dos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto”, comenta.

Segundo estudo elaborado pela entidade, entre 2007 e 2019 foram investidos em média R$ 15,2 bilhões por anono setor, montante que vem aumentando após a aprovação do Novo Marco. Porém, de acordo com o estudo, o país precisa alcançar R$ 308 bilhões de investimento nos próximos quatro anos para garantir o cumprimento da meta.

Para 2023, estão previstos 37 leilões municipais, no valor de R$ 740 milhões. “O estudo estima que seriam necessários aproximadamente R$ 8


A falta de saneamento básico é um problema crônico no país que, além disso, marca as desigualdades sociais no território nacional. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações (SNIS), o abastecimento de água potável atinge 84,2% da população, enquanto o serviço de coleta de esgoto está disponível para apenas 55,8% dos brasileiros.

Esses índices mostram que mais de 35 milhões de pessoas ainda não têm acesso à rede de abastecimento e que aproximadamente 100 milhões de pessoas não contam com coleta de esgoto. Ainda segundo o SNIS, apenas 51,2% dos dejetos são destinados a tratamento, ou seja, praticamente metade de todo o esgoto gerado no país é despejado na natureza sem tratamento.

É nesse gargalo que se revela a importância do Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020), aprovado em 2020. Segundo Percy Soares Neto, diretor-executivo da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon/Sindcon), após três anos a aprovação da lei já se refletiu em R$ 89 bilhões de investimentos contratados pelos operadores privados. “O Novo Marco é um avanço considerável para o setor e está em linha com as necessidades da sociedade em termos da universalização dos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto”, comenta.

Segundo estudo elaborado pela entidade, entre 2007 e 2019 foram investidos em média R$ 15,2 bilhões por anono setor, montante que vem aumentando após a aprovação do Novo Marco. Porém, de acordo com o estudo, o país precisa alcançar R$ 308 bilhões de investimento nos próximos quatro anos para garantir o cumprimento da meta.

Para 2023, estão previstos 37 leilões municipais, no valor de R$ 740 milhões. “O estudo estima que seriam necessários aproximadamente R$ 80 bilhões por ano para atender à meta de universalização até 2033 prevista em lei”, afirma o diretor. “E os próximos quatro anos serão fundamentais para transformarmos o cenário do setor.”


Soares Neto, da ABCON: próximos anos serão fundamentais para a transformação do cenário no setor de saneamento

MUDANÇAS

No início da nova gestão, o governo federal realizou mudanças em alguns pontos da Lei, que geraram controvérsias entre especialistas do setor.

Por meio dos Decretos nº 11.466 e nº 11.467, de 5 de abril, foram regulamentadas alterações como: prorrogação do prazo para a formação de consórcios regionais, que foi estendido para o final de 2025; prestação direta de serviços por empresas estaduais – caso a entidade interfederativa dê aval, qualquer empresa estadual poderá prestar serviços em microrregiões, aglomerações urbanas e regiões metropolitanas; e fim do limite de 25% para a terceirização das operações, permitindo que as concessionárias possam repassar fatias maiores das atividades para outras empresas.

Dessa forma, o governo diz priorizar (com recursos e financiamentos) projetos cujas licitações adotem a modicidade tarifária e a antecipação da universalização do serviço como critérios de seleção. O governo também alterou critérios e prazos para comprovação da capacidade econômico-financeira das empresas públicas e privadas do setor. De acordo com os decretos, o prazo para entrega de documentos passa a ser dezembro de 2023, e as agências reguladoras terão de emitir os pareceres até março de 2024.

Caso os indicadores dos últimos cinco anos não atendam aos requisitos, a empresa pode ainda apresentar um plano para atendimento em até cinco anos, de modo que contratos provisórios, irregulares ou de natureza precária poderão ser regularizados. Outra mudança refere-se à transferência da Agência Nacional de Águas (ANA) do Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR) para o de Meio Ambiente (MMA), que também assume a responsabilidade pelo Plano Nacional de Saneamento Básico.

Segundo Patrícia Sampaio, professora e coordenadora do Comitê de Regulação de Saneamento da FGV Direito Rio, “a reforma do Marco Legal confiou na promoção de procedimentos licitatórios para a celebração de contratos de concessão como um pilar para a atração dos investimentos, principalmente privados, visando à expansão da infraestrutura necessária para a universalização dos serviços”.

Essa priorização, ela explica, teria considerado como insuficiente a capacidade financeira da maioria dos municípios para realizar os investimentos diretamente, bem como o fato de que a outorga do direito de prover esses serviços às Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs), por meio de contratos de programa firmados sem licitação, não foi capaz de promover a universalização na maior parte dos casos. “A licitação é um procedimento objetivo de escolha do prestador mais apto ao fornecimento do serviço, consideradas as exigências jurídicas, técnicas e econômico-financeiras estabelecidas no edital de licitação”, comenta Sampaio.


Patrícia Sampaio, da FGV: mudanças contrariam a lei do ponto de vista jurídico

egundo ela, compete ainda à Administração Pública elaborar a minuta de contrato, integrante do edital de licitação, na qual podem ser estabelecidas exigências de indicadores de qualidade dos serviços, assim como formular uma matriz adequada de divisão de riscos entre poder concedente e concessionária.

Segundo a professora da FGV, as empresas estatais, assim como as privadas, podem participar dos processos licitatórios desde que atendam aos requisitos do edital. Tendo em vista o histórico de investimentos insuficientes das CESBs para universalizar os serviços em grande parte do país, não há razão – segundo ela – para que as entidades interfederativas (municípios que integram regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas em conjunto com os respectivos estados) abdiquem da possibilidade de realizar licitações, perpetuando a permanência das estatais estaduais.

“Do ponto de vista jurídico, o decreto parece contrariar a lei na medida em que permite a prestação dos serviços em municípios da estrutura de prestação regionalizada por entidade que integre a administração do respectivo estado, mediante autorização da entidade de governança interfederativa”, afirma.

Para ela, o decreto equipara essa situação à prestação direta, ou seja, “à situação em que o prestador do serviço é integrante do mesmo ente federativo que o titular do serviço”.


Decretos têm potencial de adiar o alcance da universalização, criticam os especialistas

Como o próprio nome sugere, a governança interfederativa é um arranjo de vários entes federativos, que pode incluir os munícipios e os estados onde estão localizados, mas não se confunde com o Estado em si. “Apesar de o decreto prever a necessidade de autorização da entidade de governança interfederativa para que seja permitida a prestação do serviço pela CESB, esse consentimento não parece suficiente para suplantar a vedação trazida pela lei 14.026/2020”, diz Patrícia Sampaio.

CONSIDERAÇÕES

O diretor-executivo da Abcon reforça que, em uma primeira análise, as mudanças dos decretos são suscetíveis a considerações críticas. Segundo ele, por um lado a retirada do limite de PPPs pode ampliar a opção de mecanismos para o alcance da universalização, desde que respeitadas as regras da comprovação de capacidade econômico-financeira.

Já a expansão dos prazos para regionalização e, consequentemente, acesso a recursos públicos é uma demanda dos próprios entes federados. “A construção de políticas públicas também passa porprocessos de consenso e respeito dos tempos e necessidades políticas”, pondera o dirigente.


Paula Pollini, da IAS: apenas o debate mais amplo é capaz de trazer soluções para o setor

Além disso, o executivo da Abcon considera positiva a flexibilização das condições para acesso a recursos – incluindo a necessidade de comprovação da natureza autárquica da entidade reguladora, estendida até dezembro de 2025 – e o prazo de incorporação das normas de referência pelas entidades reguladoras infranacionais, fato que vinha causando empecilhos junto aos agentes públicos financiadores.

“O prazo para regularização dos planos pelos municípios foi estendido até o final de 2024, visando garantir o fluxo de financiamentos, já que a existência do plano é condição de acesso a recursos, estabelecida pela lei”, explica Soares Neto.

Em contrapartida, o especialista avalia que alguns pontos dos novos decretos têm potencial de adiar o alcance da universalização, como a possibilidade de regularização de contratos irregulares sem processo licitatório, assim como a prestação direta de serviços por companhias estaduais.

Assim como a professora da FGV, ele acredita que a decisão fere os princípios da Lei no 11.445. “A concorrência por meio de processos licitatórios é um instrumento básico para que a população tenha acesso a serviços de qualidade e operadores com capacidade efetiva de investimento”, comenta.

Segundo o executivo, a contratação por concorrência oferece benefícios como “transparência, qualidade, competitividade e redução de riscos, além de garantir a igualdade de condições para as empresas interessadas em fornecer os serviços, sejam públicas ou privadas, incentivando a apresentação de propostas competitivas”

REORGANIZAÇÃO

Se, por um lado, as alterações eliminam restrições para a captação de investimentos, por outro há pontos que merecem atenção especial para que seja mantida a segurança jurídica, fator esse que permitiu os avanços do setor nos últimos três anos. “Esse é caminho para o alcance da universalização”, completa Soares Neto.

Em sua visão, um desses pontos críticos é a flexibilização dos mecanismos da comprovação da capacidade econômico-financeira, em especial a forma de acompanhamento e a ausência de consequências concretas no caso de não cumprimento.

Segundo ele, as alterações amortecem o próprio papel da comprovação, abrindo espaço para que algumas regiões sejam atendidas por operadores com baixa capacidade de alcançar a universalização. “Mesmo mantidos, os mecanismos de acompanhamento dos investimentos também se apresentam de forma frágil, sem clareza sobre as consequências de não cumprimento das metas”, observa. “Dessa forma, pode haver comprometimento dos prazos.”


Flexibilização dos mecanismos da comprovação da capacidade econômico-financeira é um dos pontos críticos da proposta

De acordo com Paula Pollini, analista sênior em políticas públicas do Instituto Água e Saneamento (IAS), os prazos estabelecidos pelos decretos promulgados na gestão anterior de fato demandavam revisão. “Sempre há receio em relação às metas de 2033, mas a reorganização do sistema precisava ocorrer”, avalia. “De nada adiantam regionalizações que não servem para nada, o que é muito do que está se vendo no setor.”

Se a aposta inicial era regionalizar para ganhar escala, avançando-se nas metas e envolvendo mais municípios, é preciso mais tempo para estruturar e, principalmente, mais diálogo, diz ela.

Para a especialista, o desafio de cumprir as metas existe independentemente da reestruturação ou das mudanças para regionalizações. “O desafio das metas de universalização não ficou mais difícil com as revisões atuais, pois se trata de uma construção”, aponta Pollini. “O debate mais amplo, envolvendo diferentes segmentos, é que vai trazer um conjunto de soluções públicas, privadas, comunitárias e individuais, que poderão ser usadas para o enfrentamento do déficit.”

Saiba mais:
Abcon: abconsindcon.com.br
FGV: https://portal.fgv.br
IAS: www.aguaesaneamento.org.br

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